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zassu

08
Mar23

Versejando com imagem - Se eu pudesse desamar, de Pero da Ponte

VERSEJANDO COM IMAGEM

SE EU PUDESSE DESAMAR

         

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Se eu podesse desamar

a quem me sempre desamou

e podess'algum mal buscar

a quem me sempre mal buscou!

Assi me vingaria eu,

se eu pudesse coita dar

a quem me sempre coita deu.

 

Mais sol nom poss'eu enganar

meu coraçom que m'enganou,

per quanto mi fez desejar

a quem me nunca desejou.

E por esto nom dórmio eu,

porque nom poss'eu coita dar

a quem me sempre coita deu.

               

Mais rog'a Deus que desampar

a quem m'assi desamparou,

ou que podess'eu destorvar

a quem me sempre destorvou.

E logo dormiria eu,

se eu podesse coita dar

a quem me sempre coita deu.

               

Vel que ousass'en preguntar

a quem me nunca preguntou,

por que me fez em si cuidar,

pois ela nunca em mi cuidou;

e por esto lazeiro eu:

porque nom posso coita dar

a quem me sempre coita deu.

 

Pero da Ponte

Nota geral

Nesta bela cantiga de amor, ao mesmo tempo simples e retoricamente muito elaborada (com recurso a palavra-rima e múltiplas rimas derivadas, ou mozdobres), Pero da Ponte exprime o seu (impossível) desejo de vingar-se daquela que sempre o tratou mal, pagando-lhe na mesma moeda: deixando de a amar, procurando o seu mal e fazendo-a sofrer. Mas é este um desejo impossível, até porque a culpa é do seu próprio coração, que o fez desejar quem nunca o desejou. Sem poder dormir, só lhe resta pedir a Deus que desampare quem sempre o desamparou e lhe dê a ele a capacidade para a perturbar um pouco - e assim já dormiria. Ou pelo menos que lhe desse coragem para falar com ela.

A cantiga é também tematicamente original, na medida em que a tradicional resignação do trovador face ao sofrimento que lhe inflige a sua senhora, elemento tópico da cantiga de amor, é aqui declaradamente substituído pelo desejo de vingança, note-se ainda a rara variação que ocorre, em estrofes alternadas, no 1º verso do refrão.

In - Cantigas Medievais Galego Portuguesas

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