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zassu

15
Mar23

Versejando com imagem - Se eu pudersse desamar, de Pero da Ponte

VERSEJANDO COM IMAGEM

SE EU PUDESSE DESAMAR

trovadorismo-imagem

Se eu podesse desamar

a quen me sempre desamou,

e podess'algún mal buscar

a quen me sempre mal buscou!

Assí me vingaría eu,

se eu podesse coita dar,

a quen me sempre coita deu.

 

Mais sol non posso eu enganar

meu coraçón que m'enganou,

por quanto me fez desejar

a quen me nunca desejou.

E per esto non dormio eu,

porque non poss'eu coita dar,

a quen me sempre coita deu.

 

Mais rog'a Deus que desampar

a quen m'assí desamparou,

vel que podess'eu destorvar

a quen me sempre destorvou.

E logo dormiría eu,

se eu podesse coita dar,

a quen me sempre coita deu.

 

Vel que ousass'eu preguntar

a quen me nunca preguntou,

por que me fez en si cuidar,

pois ela nunca en min cuidou.

E por esto lazeiro eu,

porque non poss'eu coita dar,

a quen me sempre coita deu.

Pero da Ponte

Tradução

Se eu pudesse desamar a quem só me desamou,

e pudesse um mal buscar a quem mal só me buscou!

Assim me vingaria eu,

Se pudesse mágoas dar a quem mágoas só me deu.

 

Mas só não posso enganar coração que me enganou,

pois que me faz desejar a quem não me desejou.

E por isso não durmo eu,

Pois não posso mágoas dar a quem mágoas só me deu.

 

Rogo a Deus desamparar a quem me desamparou,

ou que possa eu perturbar a quem só me perturbou.

E logo dormiria eu,

Se pudesse mágoas dar a quem mágoas só me deu.

 

Talvez ouse perguntar a quem não me perguntou,

Por que ela me a fez cuidar se ela nunca me cuidou.

E por isto padeço eu,

Pois não posso eu mágoas dar a quem mágoas só me deu.

Nota

A cantiga de Pero da Ponte -  Se eu pudesse desamar -, desenvolve a temática da coita e da submissão, ainda que indesejada, ao sentimento amoroso, expressa principalmente pela condicional que inicia o refrão bipartido: se eu podesse coita dar, / a quem me sempre coita deu (1ª e 3ª coplas) e porque nom poss’eu coita dar, / a quem me sempre coita deu (2ª e 4ª coplas). A oscilação entre o eu e o ela presente no refrão (eu podesse / (ela) deu; nom poss’eu / (ela) deu) enfatiza a inexorabilidade do destino que faz com que o poeta seja prisioneiro do desejo de provocar na sua senhor, senão o mesmo amor, pelo menos a mesma coita que o atormenta.

É interessante observar que toda a cantiga está construída sobre o artifício do mozdobre: desamar/desamou; buscar/buscou; enganar/enganou; desejar/desejou; desampar/desamparou; destorvar/destorvou; perguntar/perguntou; cuidar/cuidou, compondo um lamento (lazeiro) em que o trovador joga com lugares fixos — o lugar da coita amorosa e o lugar da senhor — desejando ser possível inverter tais papéis, e receber a coita, ao invés de sofrê-la. Entretanto, o rogo a Deus para que desampara a ela, quem m’assi desamparou, encontra na condicional do refrão ‘se eu podesse coita dar’ uma esperança mínima que é rebatida pela conclusão de ‘porque nom poss’eu coita dar, / a quem me sempre coita deu’.

O trovador não é livre para deixar de desamar a quem sempre o desamou, entretanto, de sua coita nasce a cantiga de amor que será cantada nas cortês palacianas, pondo à prova sua mestria e seu bom trovar. Resta-nos perguntar: que amor é esse de que se fala, codificado em fórmulas fixas e topos estereotipados?

 

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