Versejando com imagem - A pastorela cavalgava noutro dia, de João Peres de Aboim
VERSEJANDO COM IMAGEM
A PASTORELA CAVALGAVA NOUTRO DIA
"Cavalgava noutro dia
per um caminho francês
e ũa pastor siia
cantando com outras três
pastores, e nom vos pês,
e direi-vos todavia
o que a pastor dizia
aas outras em castigo:
Nunca molher crea per amigo,
pois s'o meu foi e nom falou migo.
Pastor, nom dizedes nada,
diz ũa delas entom,
Se se foi esta vegada,
ar verrá-s'outra sazom,
e dirá-vos por que nom
falou vosc', ai bem talhada;
e é cousa mais guisada
de dizerdes com'eu digo:
«Deus, ora gram veesse o meu amigo,
e haveria gram prazer migo».
João Peres de Aboim
Nota geral
Uma pastorela na qual, ao contrário do habitual, o cavaleiro/trovador não intervém, limitando-se a observar um grupo de pastoras a cantar e a conversar. Na primeira estrofe, depois desta apresentação geral, uma delas canta, em forma de aviso às restantes, uns versos em que conclui, pois, o amigo se foi embora sem se despedir, que nenhum é de fiar. Na segunda estrofe, uma outra pastora, não concordando com esta visão tão pessimista, contrapõe que ele decerto em breve regressará, concluindo também com uns versos, mas estes alegremente esperançosos.
É possível que estes dois dísticos que terminam as estrofes fossem citações de cantigas de amigo alheias e conhecidas. Infelizmente, não conseguimos localizá-las, se bem que, na obra de D. Dinis, encontremos uma cantiga cujo refrão tem semelhanças com o primeiro destes dísticos (nunca molher deve, bem vos digo,/ muit´a creer per juras d´amigo). A composição tem ainda o interesse suplementar de incluir uma referência explícita ao célebre Caminho Francês, o caminho internacional que conduzia a Santiago de Compostela.