Poesia em tempos de desassossego - Stabat Mater, de José Bento
POESIA EM TEMPOS DE DESASSOSSEGO
STABAT MATER
Estava a mãe de pé, já sem o filho
que fora a razão de ter aceite
um quotidiano rasteiro e o prodígio:
entre ambos, não ousava distingui-los.
Traspassara-se quando o viu deixar a casa
para se completar longe das mãos
que o receberam e fizeram crescer,
- nela sempre menino, e tão inerme
que de si nunca o desprenderia.
Soubera que ele fora domado, escarnecido,
mais bem pago para ser mais proveitoso,
soldado em guerras de outros
em que sempre foi um derrotado;
traído por mulheres de uma beleza
não somente fascínio e um ardil,
mas perdão para quem por elas se jogasse.
Mais que ninguém, ela sofrera-o sem dizê-lo.
Devolveram-lho por fim, já só em parte,
para uni-lo na cama onde nascera.
Tudo nela ruiu, os seus escombros
são o mais intenso túmulo,
sem ter onde vá sorver a força
para sumir-se no apagamento
de si mesma e de tudo,
até da manhã que a saudou a anunciar-lhe
o fruto que sua flor tinha alcançado.
E pede que nenhuma luz venha acordá-la.
José Bento,
in 'Alguns Motetos'