POESIA EM TEMPOS DE DESASSOSSEGO
PELO SONHO É QUE VAMOS
Como os (as) nossos(as) leitores(as) sabem, de vez em quando, neste blogue, publico um ou outro poema, acompanhado de uma imagem, de autores que mais nos «tocam».
Aqui há dias, uns amigos faziam-nos um desafio para trocarmos textos – em poesia ou em prosa – nestes tempos de desassossego.
Naquela altura, andávamos a ler um pequeno livrinho de Michel Onfray. E, uma das passagens, fez-nos refletir se efetivamente, como é vulgar ouvirmos, «uma imagem vale mais que mil palavras». Vejamos o excerto do texto:
"Apenas a experiência escrita permite dar conta da totalidade dos nossos sentidos. Os outros suportes sofrem de indigência face aos seus concorrentes: a aguarela, o desenho e a fotografia apreendem o real numa das suas modalidades - a cor, a linha o traço, o desenho, a imagem -, nunca na íntegra.
O poema, como quinta-essência do texto, mas também a prosa, podem, pelo contrário, convocar e apreender o odor do jasmim num jardim oriental, o reflexo da luz de uma cidade nas águas de um rio, a temperatura morna de uma floresta tropical saturada dos perfumes provenientes da terra, do húmus e das folhas em decomposição, o murmurejar de um riacho dissimulado pela atmosfera quente e húmida daquele lugar. Apenas o verbo circunscreve os cinco sentidos, e muitos outros. O trajeto faz-se das coisas às palavras, da vida ao texto, da viagem ao verbo, de si a si. Na operação que nos conduz do universo infinito à sua fórmula pontual e momentaneamente acabada sintetizam-se os fragmentos de memória transfigurados em recordações cintilantes".
Michel Onfray, in «Teoria da Viagem - Uma poética da Geografia»
É uma pura verdade! Passamos tempos infindos à procura de uma imagem que procure resumir – encontrar a «quinta essência» - do que vertemos num poema. E a sensação com que sempre ficamos é que a imagem não abrange, nem de longe nem de perto, o seu conteúdo.
Muito embora saibamos desta incompletude, porque amantes da fotografia, continuaremos a fazer acompanhar cada poema que partilhamos com uma imagem, como forma de dar a conhecer aos(ás) nossos(as) leitores(as) a imagem que, para nós, a escrita vertida, mais nos sugeriu.
Feito o esclarecimento, aqui fica o poema de hoje.
Pelo sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.
Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e ao que é do dia a dia.
Chegamos? Não chegamos?
– Partimos. Vamos. Somos.
Sebastião da Gama, in Pelo Sonho é que Vamos (1953)