Versejando com imagem - Tu, que ora vens de Montemaior, de Gil Sanches
VERSEJANDO COM IMAGEM
TU, QUE ORA VENS DE MONTEMAIOR
Tu, que ora vens de Montemaior,
tu, que ora vens de Montemaior,
digas-me mandado de mia senhor,
digas-me mandado de mia senhor;
ca se eu seu mandado
nom vir, trist'e coitado
serei; e gram pecado
fará, se me nom val;
ca em tal hora nado
foi que, mao-pecado!,
amo-a endoado,
e nunca end'houvi al!
Tu, que ora viste os olhos seus,
tu, que ora viste os olhos seus,
digas-me mandado dela, por Deus,
digas-me mandado dela, por Deus;
ca se eu seu mandado
nom vir, trist'e coitado
serei; e gram pecado
fará, se me nom val;
ca em tal hora nado
foi que, mao-pecado!,
amo-a endoado,
e nunca end'houvi al!
(Gil Sanches, séc. XIII)
Glossário e notas:
1: ora – agora.
v.1: Montemaior ‑ Cantiga de amor que, ao contrário do que acontece habitualmente com as composições deste género, pode ser datada com alguma precisão. Na verdade, a referência a Montemor remete-nos indiscutivelmente para um dos espaços centrais do prolongado conflito que o rei D. Afonso II manteve com suas irmãs Teresa, Sancha e Mafalda a propósito do testamento de seu pai, D. Sancho I. Montemor-o-Velho foi, de facto, a praça forte de D. Teresa, a mais ativa das infantas, tendo sido inclusivamente cercada pelas tropas do monarca seu irmão em 1213, no que constituiu um dos principais episódios bélicos do conflito. Este facto levou D. Carolina Michaellis a sugerir que a composição de D. Gil Sanches teria sido composta nessa data. Como Resende de Oliveira (Gil Sanchez", in Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa, Lanciani, Giulia e Tavani, Giuseppe (org.), Lisboa, Editorial Caminho, 1993), pensamos, no entanto, que a juventude do trovador à época parece contrariar esta datação. Mais plausível é a hipótese, avançada por este investigador, de ela ter sido composta em 1223, aquando da assinatura do tratado de paz entre o novo monarca, D. Sancho II, e suas tias, tratado esse confirmado exatamente em Montemor por D. Garcia Mendes d´Eixo, pai de D. Maria Garcia de Sousa, a donzela com quem D. Gil Sanches se ligou (e que poderá ser a destinatária da cantiga).
- 3: mandado- notícia, mensagem; digas-me mandado – dá-me notícias.
- 5: ca- pois, porque
- 7: serei – ficarei
- 9: ca em tal hora nado– porque em tão má hora nasci.
- 10: foi– fui
- 10: mal/mao pecado- infelizmente, por mal dos meus pecados
- 11: endoado- inutilmente, em vão
- 12: ende- disso, daí
- 12: al (em frases negativas)- mais nada
- 9-12: pois nasci em tal hora, que, por minha infelicidade, amo-a em vão e nunca obtive outra recompensa.
Leitura interpretativa:
Coitado do trovador! Interpela alguém que vem de Monte-Maior e que pode trazer novas da sua amada: “digas-me mandado de mha senhor”.
É que está tão infeliz!... Maldiz a hora em que nasceu: “pois en tal hora nado foi”. Ama-a em vão.
In – Blog Folha de Poesia - artes, ideias e o sentimento de si