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27
Set19

ANTT - Novos Desafios - O Arquivo Nacional Torre do Tombo e a rede de arquivos da Administração Pública Central Portuguesa

 

 

ARQUIVO NACIONAL TORRE DO TOMBO

 

 

NOVOS DESAFIOS 

 

Torre do Tombo - Gárgulas (21)

(Arquivo Nacional Torre do Tombo - Gárgula «O bem e o mal»)

 

 

 

4.2.- O Arquivo Nacional Torre do Tombo e a rede de arquivos da Administração Pública Central Portuguesa

 

 

4.2.1.- Ponto da situação atual quanto ao acervo documental da Administração Pública

 

A Resolução do Conselho de Ministros nº 124/2005, de 4 de agosto, apontava, nos seus números 13 e 14, para a criação, nas Secretarias-gerais dos vários ministérios, de serviços centrais de arquivo, capazes de recolher, tratar e facilitar o acesso à informação produzida pelos diferentes organismos do ministério, quando a mesma tenha deixado de ser de utilização corrente.

Nos inquéritos efetuados, quer em 2003, quer em 2010, eis o que Pedro Penteado, Diretor de Serviços de Arquivística e Apoio Técnico da DGARQ, Coordenador do Grupo de Trabalho sobre «A situação dos Arquivos da Administração Central do Estado», nos resultados daquele Inquérito, nos destaca, ao nível das principais funções do sistema, incluindo a de armazenamento da informação, nos pontos 3 a 6:

 

3. Existência de 9 SG [Secretarias Gerais] com projetos de digitalização de documentação de uso não corrente, potenciando assim os projetos de partilha de conteúdos digitais em rede, na Internet.

 

4.- Níveis débeis de utilização de planos de preservação digital (14,3% nas SG contra 5% nos ORG [Outros Organismos do Estado], indiciando falta de estratégia a este nível e comprometendo o acesso aos documentos eletrónicos cujas necessidades de conservação impliquem períodos superiores a 7 anos.

 

5.- Existência de mais de 63 km de documentação nos depósitos das SG e de mais de 600 km nos restantes organismos, [sublinhado nosso] sendo que, neste último caso, mais de 76% se encontra acumulada e sem tratamento. Este aspeto indica, muito provavelmente, que nos últimos anos apenas se conseguiram melhorias limitadas na redução dos 681 km a que se reportava o «Diagnóstico aos arquivos intermédios da Administração Central», publicado em 2003.

 

6.- Fraca utilização de tabelas de seleção para resolver o problema da avaliação e seleção de documentos nos ORG (apenas em 21% dos casos), e reduzidas taxas de eliminação, o que explica a grande quantidade de documentação acumulada, muita dela previsivelmente sem valor arquivístico” (Penteado, 2011b, pp. 8-10).

 

E, quanto ao nível da promoção da gestão de documentos pelas Secretarias Gerais, aquele autor, a dado passo, afirma que “(...) apesar da crescente melhoria da qualidade dos projetos de intervenção arquivística das Secretarias‑Gerais, nos últimos anos, existe ainda um longo caminho a percorrer para que possam cumprir a missão que lhe foi atribuída pelo PRACE na área da gestão de documentos, apoiando os restantes organismos ministeriais, com maiores dificuldades, neste domínio. Se tivermos ainda em conta que ainda se mantêm, ou foram apenas atenuados, alguns dos problemas já identificados no Diagnóstico de 2003, pode‑se afirmar que uma boa parte da mudança está por implementar, esperando‑se que as SG possam, em colaboração com a DGARQ, ajudar a melhorar o panorama dos arquivos do Estado, na sua área de competências” (idem).

A «Situação Arquivística do Estado - ACE - Questionário 2012 - Relatório Final», da Direção Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, trabalho também coordenado por Pedro Penteado, na Nota final, afirma-se que existe uma melhoria em relação aos Diagnósticos publicados em 2003 e 2010, “embora ainda longe da realidade em alguns domínios (...) [mantendo-se] algumas situações negativas, incompatíveis com as políticas de promoção da qualidade dos serviços e dos arquivos públicos, bem como da salvaguarda do património cultural (a exemplo da grande quantidade de depósitos, que se encontram sem condições, com documentação em risco de sofrer efeitos de inundações e infiltrações)” (Lourenço; Barros; Penteado, 2012, p. 118).

Mas, por sua vez, num artigo, com a designação «Gestão de Documentos de arquivo na Administração Pública em Portugal», da autoria do mesmo Pedro Penteado, (2015, pp.121-133), pelo que se pode constatar das suas palavras, o panorama não melhorou; pelo contrário, piorou!

O que este(s) Inquérito(s)/Diagnóstico(s) e este artigo particularmente nos alertam e alarmam é para a enorme extensão - mais de 600 Km de documentos acumulados em diversos organismos públicos -, ou seja, 5 vezes mais a capacidade total do Arquivo Nacional Torre do Tombo, num universo documental por avaliar, inventariar, de acesso precário, frequentemente indisponível para uso do cidadão, do investigador e da própria administração, diz-nos a Direção do Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (IAN/TT), no seu Boletim nº 14, outubro-dezembro/2005, quando abordam o tema «Reorientando a Política de Salvaguarda e Valorização do Património Arquivístico do Setor Público».

Esta situação é tão particularmente alarmante quanto mais nos adverte Miriam Halpern Pereira, antiga Diretora-geral do IAN/TT, afirma que: “A memória dos tempos recentes e do tempo presente também é cultura. É preciso salvá-la, antes que desapareça. O cerne da identidade nacional ficaria ameaçado. A sua destruição pode tornar o silêncio dos papéis, mais frágeis e mais difíceis de recuperar que as pedras, num ruído ensurdecedor” (Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, 2003, p. 1). A situação acima descrita leva-nos ao segundo desafio que, na área da arquivística, temos de enfrentar: como analisar e avaliar enormes massas documentais existentes nos diferentes organismos da Administração Central e quais os critérios que vão presidir à sua preservação ou destruição/eliminação?

Entendemos perfeitamente que os dois desafios que aqui colocamos, não cabem diretamente, hoje em dia, ao Arquivo Nacional Torre do Tombo, mas sim aos responsáveis pela política e coordenação do setor, ou seja, a Direção-geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas. Mas compreendemos bem o quanto isto implica diretamente nos acervos e na qualidade do trabalho desenvolvido na joia da coroa dos nossos arquivos - a Torre do Tombo!

 

 

4.2.2.- A avaliação e a classificação das enormes massas de acervos documentais existentes nos organismos da Administração Central (Secretarias Gerais e outros organismos do Estado)

 

Discutiu-se - e ainda se discute -, na literatura arquivística, quais devam ser os intervenientes e os princípios que devem presidir à análise e avaliação dos acervos documentais, quer os que devem ser objeto de preservação, quer os de destruição/eliminação.

Há escolas e autores que defendem serem os administradores - porquanto a avaliação tem aspetos eminentemente políticos -, e outros, que devem ser os profissionais dos arquivos - os arquivistas.

Se bem que, por parte dos administradores é patente que os juízos de oportunidade política de quem ocupa o poder tem uma importância decisiva (pois neles são bem patentes as interferência de interesses sociais, intelectuais, económicos, culturais e institucionais); por parte dos arquivistas, pese embora a objetividade e a neutralidade que devem impor ao seu labor profissional, estes também não estão isentos de imprimir a sua «visão do mundo» ou «convicções» às fontes informacionais sobre as quais se debruçam. Por muito que se tente, de ambos os lados, não há neutralidade neste trabalho, aliás, como no de qualquer profissional.

A interiorização deste facto é um passo fundamental para se procurar atingir, dentro da medida do possível, a melhor, ou desejável, objetividade.

Os arquivistas, bem como os administradores, não são imparciais e apolíticos no seu trabalho. Trata-se de um processo verdadeiramente delicado e de uma importância fundamental. Por isso, não podíamos deixar de concordar com Mariana Lousada quando, citando Cook, nos sensibiliza, dizendo-nos que “Quando avaliam os documentos (os arquivistas) estão nada menos que dando forma ao futuro do nosso património documental; estão determinando aquilo que o futuro conhecerá do seu passado, que é frequentemente o nosso presente” (Lousada, 2015, p.113). Ou seja, nesta atividade, está-se fazendo história, exercendo um poder sobre a memória.

Mariana Lousada, ao entender o papel do arquivista como um mediador da informação, enfatiza o papel ambicioso que este tem no processo avaliativo dos documentos. E, se está nas suas mão a responsabilidade de «eleger» o que deva ser memória e o que deve ser «votado» ao esquecimento, então “deve-se aprofundar as discussões acerca da atribuição dos valores aos documentos e verificar se há realmente interferência de aspetos subjetivos na construção da memória” (Lousada, 2015, 115).

Se, como vimos, os arquivos, na sua génese, foram concebidos para servir o rei e, depois, o Estado, a partir dos finais do século XX, e começos deste século, a normas públicas promulgadas têm imprimido um carácter de mudança à situação anterior dos arquivos: estes, agora, são (devem ser) pensados para ir ao encontro de diferentes tipos de usuários, e não dos privilégios dos seus proprietários, ou os interesses dos historiadores.

Estamos com Mariana Lousada quando defende que se devem garantir nos arquivos, tanto individual como coletivamente, “que os documentos sejam reflexo da vida de todos os grupos da sociedade e não somente da elite política, econômica, social e intelectual. A disponibilidade dos arquivos é essencial para servir a necessidade da sociedade para garantir a justiça e a conservação de direitos e valores” (Lousada, 2015, p. 118).

O Decreto-Lei nº 103/2012, de 16 de maio, no seu artigo 2º, nº 3, alínea a), acomete à Direção-geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, herdeira da Direção-geral dos Arquivos e do Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, não só a política arquivística nacional como a gestão de arquivos, em qualquer forma ou suporte.

Existe um conjunto vasto de legislação, a começar pelo Decreto-Lei nº 447/80, de 10 de dezembro, que aprova as disposições legais relativas à publicação de Portarias que orientam a avaliação, seleção e eliminação de documentos que deixam de ter, ou não, interesse administrativo (ou histórico).

Por sua vez, o então substituído organismo pela Direção-geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas - o Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, em 2006, fez publicar um documento com as «Orientações para a gestão de documentos de arquivo no contexto de uma reestruturação da Administração Central do Estado», bem assim, mais tarde, a Direção-geral dos Arquivos, em 2010, publica as «Orientações para a elaboração e aplicação de instrumentos de avaliação documental: Portarias de Gestão de Documentos e Relatórios de Avaliação».

Não é nossa intenção, neste trabalho, entrar, quer nas questões técnicas contidas naqueles documentos, quer na legislação publicada, no que se refere à análise e avaliação documental.

No trabalho de Cheila Pinto - dissertação de Mestrado em Ciências da Documentação e Informação, com o título «Os Princípios de Avaliação da Informação Arquivística em Portugal. Contributos para a sua discussão», defendida, em 2014, na Universidade de Lisboa/Faculdade de Letras - a autora dá-nos conta de um conjunto de dissertações defendidas, nestes últimos anos, nas universidades portuguesas, em que é abordada a problemática da análise e avaliação nos arquivos e que estão, a nosso ver, em linha com as enormes massas documentais depositadas nas diferentes instituições, em especial nos diferentes organismos da Administração Central e Periférica portuguesa à espera de classificação.

Apesar da legislação e das orientações publicadas, para Cheila Pinto “em Portugal não é possível destacar um modelo único porque existem vários projetos que ainda não se encontram uniformizados” (Pinto, 2014, p. 59). Esta autora, mais à frente, chama a atenção de “que é crucial que as instituições uniformizem as formas de tratamento arquivístico, desde a classificação até à comunicação da informação (...) [porquanto] Não faz sentido que cada instituição tenha a sua forma de descrever e classificar (...) Uma sociedade informada não deixa espaço para individualizações institucionais. Há que trabalhar em conjunto no sentido de uma solução verdadeiramente comum [E, na senda de Mariana Lousada, diz que] a avaliação da informação arquivística em Portugal não pode ter lugar sem uma perspetiva societal, pois a informação deve servir a todos da melhor forma possível” (Pinto, 2014, p.61), concluindo que é necessário haver uma maior cooperação entre entidades públicas e privadas.

Embora as «Orientações para a elaboração e aplicação de instrumentos de avaliação documental: Portarias de Gestão de Documentos e Relatórios de Avaliação», de 2010, da então DGARQ, aponte para um Modelo Records Continuum, de intervenção contínua na Administração Pública, a partir da fase da produção, e seguindo-se depois a avaliação e classificação de documentos, conforme figura que abaixo ilustra, Cheila Pinto refere que, na prática, Portugal segue a Teoria das Três Idades (ou Modelo das 3 Fases) e que os prazos de conservação e gestão documental são aplicados pelo arquivista, e definidos por diploma legal.

 

Modelos de intervençãoFonte:- Lourenço, 2010, p. 5

 

No entanto, salienta que as instituições têm um grande défice de profissionais qualificados e a normalização/uniformização de práticas ainda não é ideal.

Possivelmente é aqui que reside o nó górdio do problema das enormes massas de acervos documentais que se encontram em depósito (muitos deles, repete-se, em fracas condições de conservação) nos diferentes organismos da Administração, à espera ou de serem eliminados ou classificados como documentos permanentes (portadores de memória) e, consequentemente, terem valor arquivístico, ao fazerem parte do arquivo histórico de cada instituição.

Este segundo desafio implica um maior e melhor investimento no aumento e melhor formação dos recursos humanos para fazerem face a esta ingente tarefa. Os constrangimentos orçamentais e financeiros, a que atualmente a Administração Pública está sujeita, não podem ser desculpa quando se trata de «descarcerar» a memória de uma empresa, instituição, sociedade, nação ou povo. Não podem estes constrangimentos servirem como desculpa para a falta de elaboração de planos, e execução ingente, para a resolução desta problemática. Porque o que verdadeiramente está em causa não é apenas a dificuldade de acesso à informação mas, e sobretudo, a sua perda. Desta feita, o nosso principal edifício da nossa memória coletiva - o Arquivo Nacional Torre do Tombo -, ao não poder incorporar o acervo documental (ou Fundos) dos organismos extintos, sem esta memória, que não a tratamos, fica, pelo esquecimento, sem a possibilidade material necessária ao resgate daquilo que uma sociedade contruiu num determinado período, e incapaz, por isso, de se poder fazer História. Já para não falarmos do direito à informação e transparência das diferentes instituições, quer públicas, quer privadas, que todo o cidadão, em democracia, tem direito para o exercício de uma cidadania plena.

 

Torre do Tombo - Gárgulas (32)

(Arquivo Nacional Torre do Tombo - Gárgula «O novo, o velho e a morte»)

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