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zassu

18
Jan23

Versejando com imagem - Não sei para que vos quero, de Cristóvão Falcão

 

VERSEJANDO COM IMAGEM

NÃO SEI PARA QUE VOS QUERO

10-fatos-que-provam-que-os-olhos-verdes-sao-os-mais-atraentes-1

Não sei para que vos quero,

pois me de olhos não servis,

olhos a que eu tanto quis!

 

VOLTAS

 

Pera que me fostes dados,

vós só a chorar vos destes;

e, se eu tenho cuidados,

meus olhos, vós mos fizestes.

Desque neles me pusestes,

do descanso me fugis,

olhos a que eu tanto quis!

 

Quando vós primeiro vistes,

que não me era bom sabíeis,

mas, por gozar do que víeis,

em meu dano consentistes.

O que então me encobristes

agora mo descobris,

olhos a que eu tanto quis!

 

Meus olhos, por muitas vias

usais comigo cruezas;

tomais as minhas tristezas

pera vossas alegrias.

Entram noites, entram dias,

olhos, nunca me dormis,

olhos a que eu tanto quis!

 

Ando-vos a vós buscando

cousas que vos dêem prazer,

e vós, quanto podeis ver,

tristezas me andais tornando.

Agora vou-vos cantando,

vós a mim chorando me is,

olhos a que eu tanto quis!

 

Cristovão Falcão, in 'Antologia Poética'

07
Dez22

Versejando com imagem - Crisfal, de Cristóvão Falcão

VERSEJANDO COM IMAGEM 

 

CRISFAL

 (extracto)

a-pastora-vida-no-campo-cena-bucolica-linda-garota

1

Antre Sintra, a mui prezada,

e serra de Ribatejo

que Arrábeda é chamada,

perto donde o rio Tejo

se mete n'água salgada,

houve um pastor e pastora,

que com tanto amor se amarom

como males lhe causarom

este bem, que nunca fora,

pois foi o que não cuidarom.

2

A ela chamavam Maria

e ao pastor Crisfal,

ao qual, de dia em dia,

o bem se tornou em mal,

que ele tam mal merecia.

Sendo de pouca idade,

não se ver tanto sentiam

que o dia que não se viam,

se via na saudade

o que ambos se queriam.

3

Algüas horas falavam,

andando o gado pascendo;

e então se apascentavam

os olhos, que, em se vendo,

mais famintos lhe ficavam.

E com quanto era Maria

piquena e, tinha cuidado

de guardar milhor o gado

o que lhe Crisfal dezia;

mas, em fim, foi mal guardado;

4

Que, depois de assi viver

nesta vida e neste amor,

depois de alcançado ter

maior bem pera mor dor,

em fim se houve de saber

por Joana, outra pastora,

que a Crisfal queria bem;

(mas o bem que de tal vem

não ser bem maior bem fora,

por não ser mal a ninguém).

5

A qual, logo aquele dia

que soube de seus amores,

aos parentes de Maria

fez certos e sabedores

de tudo quanto sabia.

Crisfal não era então

dos bens do mundo abastado

tanto como do cuidado;

que, por curar da paixão,

não curava do seu gado.

6

E como em a baixeza

do sangue q e pensamento

é certa esta certeza –

cuidar que o mericimento

está só em ter riqueza –

enquerirom que teriam

e do amor não curarom;

em que bem se descontarom

riquezas, se faleciam,

por males que sobejarom.

7

Então, descontentes disto,

levarom-na a longes terras

esconderom-na entre üas serras,

onde o sol não era e visto

e a Crisfal deixarom guerras.

Além da dor principal,

pera mor pena lhe dar,

puserom-na em lugar

mau para dizer seu mal,

mas bom pera o chorar.

8

Ali os dias passava

em mágoas, da alma saídas,

dizer a quem longe estava,

e chorava por perdidas

as horas que não chorava.

Em vale mui solitário e

sombrio e saudoso,

send'o monte temeroso

pera o choro necessário

pera a vida mui danoso,

9

Dizer o que ele sentia,

em que queira, não me atrevo,

nem o chorar que fazia;

mas as palavras que escrevo

são as que ele dezia.

Ali sobre üa ribeira

de mui alta penedia,

donde a água d'alto caía,

dizendo desta maneira

estava a noite e o dia:

10

«Os tempos mudam ventura

bem o sei, pelo passar;

mas, por minha gram tristura,

nenhuns puderam mudar

a minha desaventura.

Não mudam tempos nem anos

ao triste a tristeza;

antes tenho por certeza

que o longo uso dos danos

se converte em natureza.

11

Coitado de mim, cuitado

pois meu mal não se amansa

com choro nem com cuidado!

Quem diz que o chorar descansa

é de ter pouco chorado;

que, quando as lágrimas são

por igual da causa delas,

virá descanso por elas;

mas como descansar hão

pois que são mais as querelas?

12

Com tudo, olhos de quem

não vive fazendo al,

chorai mais que os de ninguém,

que o que é para maior mal

tenho já para maior bem.

Lágrimas, manso e manso,

prossigam em seu ofício;

que não façam beneficio :

não servindo de descanso,

servirão de sacrefício.

13

Minhas lágrimas cansadas,

sem descanso nem folgança,

a minha triste lembrança

vos tem tam aviventadas

como morta a esperança.

Correi de toda vontade,

que esta vos não faltará.

Mas isto como será?

Pedi-la-ei à saudade,

e a saudade ma dará.

14

Todos os contentamentos

da minha vida passarom,

e em fim não me ficarom

senão descontentamentos

que de mim se contentarom.

Destes, polo meu pecado

(inda que nunca pequei

a e quem amo e amarei),

nunca desacompanhado

me vejo nem me verei.

15

Faz-me esta desconfiança

ver meu remédio tardar,

e já agora esperar

não ousa minha esperança,

por me mais não magoar.

Se por isto desmereço,

dê-se-me a culpa assim

e seja só com a fim,

que há muito que me conheço

aborrecido de mim

16

Meu coração, vós abristes

caminho a meus cuidados,

pera virem a ser banhados

na água de meus olhos tristes,

tristes, mal galardoados.

Necessário é que vamos

algum remédio buscar

para se a vida acabar .

est'é bem que dessejamos,

est'é nosso dessejar.

17

Iremos pela estrada

por onde os tristes vão

porque nela, por rezão

deve ser de nós achada,

achada consolação.

Sobir-me-ei ao pensamento

qu'é alto; de ali verei

verei eu se poderei

ver algum contentamento

de quantos perdidos hei.

18

Mas o que poderá ver

quem já da vista cegou?

Porque quem me a mim levou

meu alongado prazer

nenhum bem ver me deixou.

Deixou-me em escuridade

um mal sobre outro sobejo,

pelo que triste me vejo

tam longe da liberdade

como do bem que dessejo.

19

Verei a vida, que em vida

bem vista tanto aborrece

aborrece a quem padece

tristeza mal merecida,

que minha fé mal merece.

Levarom-me toda a glória,

com quanto bem dessejei,

dessejei e alcancei;

ficou-me só a memória,

por dor, de quanto passei.

20

Lembrança do bem passado,

que não devera passar,

esta me há-de matar;

dá-me tal dor o cuidado,

que se não pode cuidar.

Nada, se não for a morte,

me dará contentamento:

segundo sei do que sento,

não sento prazer tão forte

que conforte meu tormento.

(...)

 

Cristóvão Falcão

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