Poesia em tempos de desassossego - Morte pensada, Vitorino Nemésio
POESIA EM TEMPOS DE DESASSOSSEGO
MORTE PENSADA
(Morte de Adónis, de François Boucher, 1733)
Experimentei a Morte na cabeça
(No coração, só se ele parasse).
Mas, por mais que a conheça,
Não se pensa a Morte: dá-se.
Que a morte não é ser, sendo ela tudo,
Nem pessoa será, que tantas leva:
É um lá ou além, último som agudo
A que não chega a voz de vivo. Nem
Chove ou neva
Onde campa é a terra de ninguém.
Não morremos sequer: matamos a alma
Enternecida pelo corpo terno.
E ela lá vai, sua alma sua palma,
Que nem morre no Inferno.
Vitorino Nemésio,
de Sapateia Açoriana e Mais Poemas