Poesia e Arte 68
POESIA E ARTE
POEMAS NOS DIÁRIOS DEE MIGUEL TORGA
ÍCARO
Minhas asas humanas de poeta!
Derreteu-as o sol da lucidez.
Cego, abria-as ao vento
Da inspiração
E voava.
Mas pouco a pouco,
Como quem desperta,
Dei conta da cegueira.
E fui perdendo altura.
Agora, canto apenas
Ao rés-do-chão da vida,
A olhar o descampado
Do céu azul
Aberto à graça doutras emoções.
E o canto é triste assim desiludido.
Falta-lhe a perspetiva e o sentido
Que tinha quando eu tinha as ilusões.
Coimbra, 20 de Fevereiro de 1987
(Herbert James Draper - O Lamento por Ícaro)