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zassu

16
Mar21

Palavras Soltas... - A Sociedade «sobremoderna» - Cap. III - Globalização e sociedade «sobremoderna»

PALAVRAS SOLTAS...

 

A SOCIEDADE «SOBREMODERNA»

  

CAPÍTULO III 

GLOBALIZAÇÃO E CIDADE «SOBREMODERNA»

06.- sc3a3o-paulo

Na esteira de ASCHER, as dinâmicas urbanas são «sobre modernas» por duas ordens de razões principais: pelas evoluções económicas, sociais, políticas e culturais, que determinam largamente a evolução das cidades e pelos discursos produzidos sobre as cidades e pelas práticas urbanísticas, que extraem de bases comuns as mesmas referências e ideologias científicas, técnicas, filosóficas e políticas.

 

De um ponto de vista económico, o novo ciclo que se inicia é marcado pela globalização (internacionalização), pela procura de novos tipos de produtividade, de flexibilidade, de polivalência, de procura sistemática de velocidade, de experimentação de novos modelos de organização industrial, do desenvolvimento dos transportes, das comunicações e da logística, ou seja, e no dizer de HOOGVELT, citado por FONT et al (:75) “(...) a fase expansiva do capitalismo mundial acabou. A referida fase caracterizava-se pela «extensão» dos fundamentos da economia, foi comércio e investimento produtivo, sempre e cada vez mais; esta fase agora foi superada pela do «aprofundamento», que não da «ampliação» da integração económica. Neste sentido prefiro utilizar o conceito de globalização para este fenómeno de «aprofundamento»

 

A globalização exprime-se por fenómenos múltiplos. As trocas internacionais crescem com maior velocidade que os produtos internos brutos e aos movimentos de mercadorias juntam-se os dos capitais cada vez mais importantes. As empresas desenvolvem-se cada vez mais no estrangeiro através do crescimento externo, por meio de franchises e de joint ventures e a nacionalidade destas empresas torna-se difusa, interpelando assim as autoridades públicas sobre a noção de política económica e industrial nacionais. As empresas globalizadas organizam-se em novas bases e o seu crescimento e extensão geográfica, a necessidade de coordenar atividades em diferentes países, provocam recomposições marcadas, ao mesmo tempo, por concentrações e desconcentrações, por centralizações e descentralizações.

 

O crescimento externo e as joint ventures obrigam as empresas a reorganizações quase permanentes, com a finalidade de integrarem as novas unidades, para evitarem empregos duplos ou triplos (várias unidades assumindo as mesmas funções ou produzindo os mesmos produtos), para racionalizarem os novos conjuntos, para integrarem cultural, comercial e tecnicamente as novas parcerias. As empresas, no dizer de ASCHER (:59-60), “são conduzidas a desconstruir e construir o conjunto das suas funções, reagrupando umas, separando outras, redefinindo os laços de funcionamento entre elas, da direção-geral aos serviços pós-venda, passando pela área comercial, pelo «marketing», pelo departamento financeiro, administrativo, pela investigação e desenvolvimento, pela produção, pelas compras... Para além das modalidades de gestão, a última moda parece ser a da «reconfiguração» (reingeneering), tornando-se a reorganização uma tarefa permanente nas grandes firmas”.

 

A extensão geográfica das empresas globalizadas, a desconcentração, ou até a descentralização das diversas tarefas e funções, e a redução da dimensão das unidades de produção provocam, em contrapartida, o crescimento e a centralização das funções centrais de coordenação, das de controle ou de direção, da função financeira e, em certos casos, da das compras (fala-se de world sourcing, quando esta está centralizada à escala internacional).

 

Uma outra característica da globalização é a de que ela engloba cada vez mais diretamente todas as atividades económicas, incluindo as das pequenas e médias empresas, pois não só devido ao facto de muitas destas últimas pertencerem a um grupo internacional, como também porque um número crescente dentre elas são fornecedoras ou clientes das multinacionais e, assim, as suas atividades estão cada vez mais, direta ou indiretamente, influenciadas pelas dinâmicas e pelos acontecimentos internacionais.

 

A globalização, concentrando nas cidades mais importantes as funções-chave da economia internacional, constitui assim uma dimensão importante de «metropolização» das mesmas. Ou seja, o conjunto das cidades ativas, para além das próprias global cities, inscreve-se, desta maneira, de forma cada vez mais nítida, nas dinâmicas da globalização, e os sistemas urbanos nacionais perdem a sua importância a favor das redes internacionais.

 

Finalmente, modificam-se também as relações entre as cidades, metrópoles e as regiões circundantes: estas últimas constituem cada vez menos uma retaguarda (hinterland) que abastece a cidade ou que para ela trabalha, e reciprocamente a cidade-centro oferece à região não só os serviços de «nível superior», mas sobretudo o acesso às redes de globalização.

 

Assim, e resumindo, o ciclo precedente apoiou-se nas tecnologias e nos mercados que permitiam, de forma muito alargada, «rendimentos crescentes», isto é, economias de escala. Quanto mais uma empresa produzia maciçamente um único produto, mais eficaz se revelava. A esta situação juntava-se o «ciclo internacional do produto», que permitia, depois da amortização dos investimentos e dos lucros nos mercados dos países desenvolvidos, realizar ainda alguns lucros suplementares com os «velhos» produtos, vendendo-os nos países menos desenvolvidos.

 

Os modelos taylorista e fordista tradicionais, muito coerentes com a dinâmica dos rendimentos crescentes, parecem agora largamente desadaptados a este novo contexto económico, comercial, tecnológico e social.

 

Num mercado globalizado onde se multiplicam as variáveis, num universo complexo e instável onde transformações menores podem desencadear mudanças importantes, reina uma incerteza crescente que constitui um obstáculo para os investimentos pesados e de longo prazo. No entanto, a antecipação é mais do que nunca indispensável e necessita, sobretudo, de um acréscimo de despesas para investigação. As empresas devem também tentar, por todas as formas, tornar os seus mercados o menos «incertos» quanto possível, dispondo assim de vantagens competitivas duradouras.

 

Não podendo nem prever as mudanças com antecedência, nem, por razões económicas e técnicas, armazenar produtos muito variados, nem, finalmente, antecipar as evoluções do mercado e das tecnologias, as empresas desenvolvem sistemas, ditos flexíveis, mais adaptados a uma gestão em ambiente de «racionalidade limitada». A flexibilidade é, seguramente, uma das palavras-chave do período contemporâneo e, por outro lado, a polivalência, um dos instrumentos-chave da flexibilidade e da procura de economias de gama, como uma noção atualmente central.

 

Se globalmente a flexibilidade e a procura de polivalência entram em rutura com a especialização taylorista, seria, no entanto, errado considerar que estas dimensões estavam completamente ausentes no modelo fordista. Ocupavam um lugar menor e os instrumentos para lá chegar eram diferentes, no entanto, estavam já presentes. A este propósito, HENRY FORD, citado por ASCHER (:65), dizia: “... uma empresa deve fazer mais do que manter a sua fábrica e a sua maquinaria em bom estado. Ela deve-as modificar constantemente para as adaptar às mudanças de plano, dos materiais e dos métodos de fabrico. Nada é permanente, nem mesmo a própria localização”.

 

Estas noções e conceções desempenham assim um papel cada vez mais importante no campo urbano. A incerteza modifica os horizontes do urbanismo, as formas de regulamentação e o jogo dos actores da produção urbana; a procura da flexibilidade privilegia as pequenas operações ou as que são realizáveis por etapas autónomas; e as exigências da polivalência repercutem-se nos programas dos equipamentos e favorecem a miscigenação funcional a diversas escalas.

 

A indústria fordista, baseada em grandes unidades de produção e na procura de economias de escala, tinha tendência para produzir ela própria tudo o que lhe era necessário, segundo um modelo dito de «interiorização» ou de «organização». Os métodos atuais de organização, com unidades de produção mais pequenas funcionando em fluxo contínuo, a procura de economias de investimento e de uso das técnicas avançadas de comunicação, conduzem a empresas a recorrer mais ao mercado do que anteriormente, a «exteriorizar» as tarefas que antes eram realizadas no seu interior, recorrendo de forma mais sistemática a todos os tipos de subcontratação. A arbitragem das relações entre a organização (com os seus custos de administração) e o mercado (com os custos ditos de «transação») tende, cada vez mais, a pender a favor deste último.

 

Por outro lado ainda, a «logística», termo que, de origem militar, significa a arte de combinar os meios de transporte, o reabastecimento e o alojamento das tropas, surge a desempenhar um papel crescente com a globalização, a qual alarga a esfera de funcionamento das empresas e dilata as distâncias internas e externas à empresa; ao funcionamento em fluxo contínuo – o just in time -, que reduz a dimensão unitária das entregas, embora multiplicando-as, e que atribui uma importância acrescida à sua rapidez e pontualidade; à redução do tamanho das unidades de produção e à subcontratação, que transformam as deslocações internas em transportes externos; às generalizadas exigências de velocidade e à redução dos custos de transporte. Para fazer face a estas novas condições, as empresas atribuem cada vez mais importância à função logística, embora com soluções organizacionais relativamente variadas.

 

O modelo de organização em hubs and spokeseixos» e «raios») desenvolve-se rapidamente nos transportes, no aprovisionamento e na distribuição através da multiplicação de «plataformas logísticas», constituindo um princípio estrutural determinante para a organização da própria logística.

 

Assistimos atualmente a uma multiplicação relativamente desordenada de plataformas logísticas, ao ponto de as coletividades territoriais, sobretudo, acreditarem identificar aí uma «nova maneira» de atrair empresas.

 

A logística surge, assim, como o resultado e o vetor de novos sistemas de fluxos entre as cidades e, no interior destas, e participa na transformação das dinâmicas urbanas, modificando a natureza e a localização das funções centrais.

 

Por último, as lógicas cada vez mais privadas de produção das cidades, das infraestruturas, dos edifícios e equipamentos reforçam as orientações nas grandes cidades e metrópoles, centralizando nelas mais fortemente as dinâmicas económicas.

 

É nelas que se concentram as empresas globalizadas que são também os principais mercados de construção, de obras públicas e de serviços em rede (transporte, eletricidade, cablagem, aquecimento urbano, água, saneamento). Em todos estes domínios, formam-se grandes empresas utilizadoras de tecnologias e métodos de organização muito eficientes, pelo que os investimentos são aí consideráveis.

 

É também nas grandes aglomerações que se instalam os novos transportes em sítio próprio (metros automatizados, elétricos rápidos, autocarros com reboque), que se escavam os túneis rodoviários, que se traçam as circulares periféricas caras, que se constroem edifícios complexos (gares, aerogares, imóveis de grande altura, palácios de congressos, etc.). É também nas grandes aglomerações que se implantam os TGV e as fibras óticas, criando-se assim um fosso tecnológico entre a construção e as obras públicas das grandes aglomerações e o resto da indústria da construção, que apenas se encarrega de obras modestas nas pequenas cidades.

 

Por outro lado, a existência de agentes económicos poderosos neste sector reforça o tropismo das grandes aglomerações. Assim se passa no sector imobiliário, entre outros.

 

Assiste-se, finalmente, hoje em dia, a uma viragem de sinal no que concerne às lógicas públicas de ordenamento que tendem a proceder da mesma forma que as privadas. Constata-se que as políticas voluntaristas que implantavam infraestruturas e equipamentos para desenvolver os territórios (por exemplo, nas pequenas e médias cidades) perderam importância a favor das que concentram os investimentos públicos nos locais onde eles são imediatamente necessários (nas grandes aglomerações em rápido crescimento).

 

Em suma, estas lógicas económicas de produção da cidade não só atraem os investimentos para as grandes aglomerações, como também mobilizam, para resolver os seus problemas, o potencial científico e técnico, contribuindo assim para desenvolver uma produtividade superior nas obras públicas e tornar cada vez mais eficazes as realizações urbanas nas grandes aglomerações.       

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