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12
Mar21

Palavras soltas... - A Sociedade «sobremoderna» - Cap. I - Breves considerações sobre o aparecimento das cidades

PALAVRAS SOLTAS...

 

A SOCIEDADE «SOBREMODERNA»

 

CAPÍTULO I

 

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O APARECIMENTO DAS CIDADES

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O Capítulo que agora desenvolveremos faz parte de um velho e clássico debate iniciado principalmente na época de oitocentos, e fundamentalmente, no campo do pensamento sociológico, tendo influenciado largamente as ideias dominantes a propósito da cidade e do campo.

 

Nele, o juízo sobre a cidade é entendido como uma espécie de termo de comparação para exprimir apreciações sobre a modernidade e seus possíveis desenvolvimentos.

 

Assim, tanto em finais do século XIX como nos inícios do século XX, este debate exprimiu-se com frequência através da construção e emprego de categorias opostas, ou seja, de conjuntos de conceitos ou ideias com a finalidade de descrever a antítese entre a organização social e as modalidades culturais das sociedades pré-industriais, por um lado e, por outro, as próprias das sociedades industriais.

 

A mais célebre destas dicotomias é a distinção traçada por TONNIES (1887) entre «comunidade» (Gemeinschaft) e «sociedade» (Gesellschaft).

 

A expressão espacial da comunidade é tanto a aldeia rural como a cidade tradicional de dimensões limitadas; em contrapartida, a expressão espacial da sociedade é a metrópole industrial moderna ou, ainda mais, a cidade mundial.

 

Enquanto, no âmbito europeu, a discussão sobre a cidade e modernidade assume frequentemente tons pomposos e é conduzida, a miúdo, sob a forma de argumentação filosófica, nos Estados Unidos reveste-se de um carácter mais pragmático. Não é por acaso que aqui prevalece a ideia do continuuum urbano-rural, ou seja, de uma variedade de formas de disposição populacional situada ao longo de uma linha ideal que vai da aldeia rural à grande metrópole, mas de tal modo que os traços culturais «urbanos» e «rurais» se encontram sempre mesclados indissoluvelmente, ainda que em dosagens diferentes.

 

Este modo de formular o problema da relação entre cidade e modernidade, desde há vinte anos a esta parte, deixou de ter espaço no campo da sociologia urbana, contudo, tal circunstância não impede que este modelo dicotómico se volte a propor nos tempos atuais, em aspetos cruciais da análise sobre a cidade. Abordaremos sucintamente dois âmbitos. O primeiro, é representado pelo debate sob o «guarda-chuva» do tema da transição para uma condição pós-moderna e o papel que tem nele o fenómeno urbano, tendo participado nesta discussão tanto homens como HABERMAS e TOURAINE, GIDDENS a LASH; o segundo, refere-se à importância que fenómenos considerados típicos da cultura comunitária tiveram, e têm, no desenvolvimento socioeconómico de alguns sistemas contemporâneos com características especificadamente urbanas (de cariz mais italiano, incidindo  na análise sobre as regiões de economia de pequena empresa, dando realce a fatores como a confiança, a reciprocidade e o «self help».

 

Queríamos, contudo, realçar uma última alínea, correspondendo a uma perspetiva sociológica espacialista, expressa por sociólogos contemporâneos, como GIDDENS e DICKENS, mas também compartilhada por geógrafos, como HARVEY, PRED e os autores que pertencem ao filão da «time geography», ao darem um contributo importante, de renovação conceptual intensa, para a importância do espaço, ou, ainda melhor, do espaço-tempo, como dimensão constitutiva do comportamento e dos sistemas sociais.

 

Face ao exposto, entendemos que a cidade deverá ser analisada a diferentes dimensões e aspetos, desde a economia, a política, a geografia, a cultura, a morfologia social, etc., ou seja, o sistema(s) urbano(s) deve(m) ser interpretado(s) mais como uma entidade complexa e dotada de fortes relações entre os elementos singulares do que como um agregado de uma parte que se pode considerar separadamente.

 

Em suma, ao falar da cidade, existe pelo menos um motivo essencial – e reconhecido por muitos sociólogos, geógrafos, historiadores e economistas – que leva a evidenciar a relação entre esta e a dinâmica da economia, considerada numa ampla perspetiva histórica.

 

Assim, podem-se citar, pelos menos, dois grandes momentos «revolucionários» na história do desenvolvimento das sociedades humanas, que correspondem a fases de importância decisiva para a história do fenómeno urbano.

 

O primeiro corresponde à chamada Revolução Neolítica e ao desenvolvimento da agricultura, iniciada, pelos menos, 8 000 ou 9 000 anos antes de Cristo. Segundo muitos autores, este importante processo de transformação da base económica – que, das colheitas, da caça e da pesca passa a concentrar-se na produção agrícola e na pastorícia – impõe as bases para o nascimento da cidade. No seio de uma população mais densa e estável que dispõe de bens alimentares excedentes das necessidades imediatas, desenvolve-se uma divisão do trabalho maior, e, em particular, uma parte da população pode dedicar-se a diversas atividades – ao artesanato, atividades mercantis, funções administrativas, políticas, militares ou religiosas. Criam-se, portanto, as condições para o desenvolvimento de uma sociedade local articulada, de tipo «urbano».

 

O segundo momento de grande transformação histórica sucedeu no século XVIII com a Revolução Industrial. A partir de Inglaterra, para passar depois progressivamente a um número mais largo de países da Europa e da América do Norte, assistiu-se nessa época a um aumento, quer da população, quer da produtividade do trabalho, tanto nos sectores industriais emergentes como na própria agricultura. Graças a esse aumento de produtividade, houve menos necessidade de a maior parte da população se dedicar à produção de bens agrícolas e, por outro lado, tornou-se conveniente o desenvolvimento da produção de bens e sua troca num cenário nacional e internacional. Criaram-se assim as bases para uma expansão do fenómeno urbano – a cidade.

 

Os dois movimentos revolucionários referidos são assim aqueles em que a transformação da economia estabeleceu os pressupostos, respetivamente, para o nascimento da cidade e para um enorme crescimento da incidência do fenómeno urbano. Obviamente, a criação desses pressupostos não equivale, de uma forma automática, a uma provocação direta dos fenómenos atrás salientados. Juntamente com as causas económicas, intervêm, com não menos força, as de natureza política ou cultural, entre outras.

           

Se é exato que a Revolução Industrial criou as bases para uma expansão das cidades sem precedentes, também é certo que o conjunto das relações económicas e políticas de sinal capitalista, associadas a essa revolução, colocaram em movimento um entrelaçamento complexo de desequilíbrios à escala mundial, que incidiu profundamente, de modo diferenciado, nas diversas partes do nosso planeta, em fatores de crescimento urbano.

           

Em resumo, quando se fala do fenómeno urbano a uma escala de observação internacional, o próprio termo «cidade» oculta uma variedade extrema de condições económicas, modos de vida, formas de organização social e morfologias instaladas.

           

De qualquer modo, se se quisesse tentar dar conta da diferença dos tipos de cidade hoje presentes nos cinco continentes, haveria que ter presentes – e cruzar entre eles – pelo menos, duas ordens de fatores.

           

O primeiro refere-se à profundidade histórica do urbanismo. Com efeito, a cidade atual é o produto de uma longa sedimentação de características morfológicas e culturais, acumulados ao longo dos séculos. Se tomarmos conta, não podemos esquecer que há áreas mundiais nas quais existe uma continuidade do fenómeno urbano durante muitos séculos, ou mesmo milénios, enquanto noutras a cidade constitui um fenómeno relativamente recente, produto da colonização europeia.

 

O segundo refere-se aos diversos papéis que as áreas mundiais assumiram, na época industrial e, de forma particular, na sua fase mais recente, por efeito do que se definiu como divisão internacional do trabalho. A esta luz, com respeito à atitude assumida pela divisão internacional do trabalho, costuma-se classificar os países ao longo do um eixo centro-periferia (amplamente sobreponível à distinção Norte-Sul). Segundo este critério, poderíamos distinguir os seguintes tipos de contextos, à escala mundial, na ótica de MELA: 49:

  • as áreas fortes do centro da economia internacional, como os Estados Unidos, Japão e Europa centro-setentrional;
  • as áreas fracas do centro, como as correspondentes ao Meio-Dia italiano, às regiões meridionais e atlânticas da Espanha, Grécia, Portugal, Irlanda, etc.;
  • as novas áreas industriais, como as do Extremo Oriente (Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong, Singapura e algumas regiões da China) e, parcialmente, algumas regiões da América Latina e da Índia;
  • as áreas da Europa Oriental em transformação após a extinção do modelo de «socialismo real»;
  • as áreas semiperiféricas do Sul, ou seja, os países menos desfavorecidos do dito Terceiro Mundo, como alguns árabes, latino-americanos e asiáticos;
  • as áreas periféricas do Sul, as mais diretamente ameaçadas pela fome e pobreza, como uma grande parte da África subsariana.

 

Em cada um destes contextos, o desenvolvimento urbano apresenta caracteres e problemas particulares, não reconduzíveis a uma só solução. Se agora, conjuntamente, tomarmos também em consideração as diferentes estratificações da história urbana, bem como dos seus sistemas, com base no critério acima referido, poder-se-á ficar com uma ideia da natureza poliédrica e fortemente desigual do urbanismo que se manifesta no dealbar do século XXI.

 

A juntar e a complicar ainda mais toda este «intrincado puzzle» poliédrico sobre as cidades e o urbanismo, na contemporaneidade, segundo alguns estudiosos, encontrar-nos-íamos no curso de um terceiro momento, não menos essencial de transição económica e tecnológica de base microeletrónica e das comunicações, o que teria como consequência uma ulterior mutação do fenómeno urbano, até à sua gradual extinção, em direção a um continuum de aglomerados populacionais, unidos por formas de comunicação à distância.

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