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26
Abr15

Grande Guerra (1914-1918) - 6

 

 

 

A GRANDE GUERRA (1914-1918)

E A PARTICIPAÇÃO DOS MILITARES DO RI 19 E DO ALTO TÂMEGA NO CONFLITO

 

PRIMEIRA PARTE

CONTEXTO INTERNACIONAL

(DA PLACIDEZ TECTÓNICA AO MOVIMENTO DAS PLACAS)

 

I

 

FIN DE SIÈCLE, DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO E FÉ NO PROGRESSO

Entrada da Exposição.jpg

(Exposição Universal de Paris 1900 - Entrada Principal) 

 

3.- Pavilhões das principais potências

Procuremos, numa breve descrição, apreender as suas respetivas ideias ou mensagens, quer implícitas, quer explicitas.

 

A.- Alemanha

 

Pavilhão alemão.jpg

(Exposição Universal de Paris 1900 - Pavilhão Alemão)  

“No cimo do Pavilhão da Alemanha via-se uma estátua de um mensageiro a tocar trombeta, talvez o símbolo adequado da mais recente potência europeia. No interior, encontra-se uma reprodução exata da biblioteca de Frederico, O Grande; demonstrando tato, os alemães não focaram as suas vitórias militares, muitas delas sobre a França” (MacMillan, 2013: 36) como a sua última alcançada em Sedan, de que resultou a perda à França da Alsácia e parte da Lorena. “A fachada ocidental sugeria, no entanto, uma nova rivalidade, que se estava a estabelecer entre a Alemanha e a maior potência naval do mundo, a Grã-Bretanha: um painel mostrava um mar tempestuoso, com sereias a cantarem, e tinha um lema que se dizia ter sido escrito pelo próprio governante alemão, o Kaiser Guilherme II - «A estrela da Fortuna convida o homem corajoso a levantar a âncora e partir à conquista das ondas»” (MacMillan, 2013: 36).

Manifestamente, uma aspiração a querer ser uma grande potência marítima e naval...

 

B.- Áustria-Hungria

 

Pavilhão da Áustria (Interior).jpg

(Exposição Universal de Paris 1900 - Interior do Pavilhão da Áustria)  

O país mais próximo e amigo da Alemanha na Europa, “tinha dois pavilhões separados, correspondendo, cada um deles, a metade, tal como se passava com a conhecida Monarquia Dual. O austríaco representava o triunfo da «arte nova», o novo estilo que estava a propagar-se pela Europa” (MacMillan, 2013: 36).

Ao lado do pavilhão austríaco, “separado deste pelo da Hungria, havia um mais pequeno, que representava a pequena província da Bósnia, que tecnicamente ainda fazia parte do Império Otomano, mas era administrado por Viena desde 1878. O pavilhão bósnio, com as suas belas decorações produzidas por artífices da sua capital, Sarajevo, parecia, como dizia o Guia Hachette, uma rapariga jovem a ser apresentada pela primeira vez ao mundo pelos seus pais. (...) O estado de espírito patente no pavilhão húngaro era fortemente nacionalista (os críticos austríacos disseram, com azedume, que a arte popular que lá estava exposta era vulgar e as suas cores eram demasiado brilhantes (...) As exposições [neste Pavilhão] davam, contudo, menor importância aos milhões de povos não húngaros, como por exemplo os croatas e os romenos, que viviam dentro das fronteiras da Hungria” (MacMillan, 2013: 37).

Positivamente uma cacofonia de povos, línguas e culturas...

 

C.- Itália

 

Pavilhão Italiano.jpg

(Exposição Universal de Paris 1900 - Pavilhão Italiano) 

Tal como a Alemanha era “um novo país e uma grande potência, mais por cortesia do que por isso corresponder à realidade, construíra uma enorme catedral ricamente decorada. Sobre a sua cúpula dourada encontrava-se uma águia gigantesca, de asas abertas, numa posição triunfal. O seu interior estava cheio de arte da Idade Média e do Renascimento, mas as glórias do passado podiam ter um peso importante num país jovem e pobre” (MacMillan, 2013: 37).

Calculista, sabendo jogar nos diferentes tabuleiros, decidindo-se por aquele que lhe salvaguarda melhor os seus interesses...

 

D.- Rússia

 

Pavilhão da Rússia.jpg

(Exposição Universal de Paris 1900 - Pavilhão da Rússia))  

“Ocupava um lugar de primeiro plano na Exposição, na sua qualidade de aliada favorita da França.

As exposições russas eram enormes e estavam espalhadas por vários locais, indo desde um importante palácio no estilo do Kremelin, dedicado à Sibéria, a um pavilhão profusamente ornamentado a que foi dado o nome da mãe do czar, a Imperatriz Maria. Os visitantes podiam admirar, entre muitas outras coisas, um mapa da França, feito em pedras preciosas que o czar Nicolau II enviou como presente aos franceses e maravilharem-se só com a amplitude dos bens dos Romanov” (MacMillan, 2013: 38-39). É de realçar que, no dia de abertura da Exposição, o Presidente da França inaugurou uma nova ponte sobre o rio Sena, em Paris, a que lhe foi dada o nome do falecido czar Alexandre III. Justificava, assim, o Guia Hachette: “No final de contas, o governo russo, desenvolvera enormes esforços para colaborar na Exposição - «esta grande obra da paz». [E acrescenta]: “A Aliança Franco-Russa era recente - só foi assinada em 1894 - e ainda era problemática, uma vez que fora estabelecida entre a autocracia russa e a França republicana. Era considerada como defensiva, embora os seus pormenores fossem secretos. No entanto, preocupava a Alemanha, apesar de este país ter a sua própria aliança com a Áustria-Hungria” (MacMillan (2007: 59)

Figura 4

A Rússia era um imenso território com governantes fracos, dependente da alta finança das outras potências europeias para trazer o país para a modernidade. Daqui se explica a sua política de alianças e a sua ação futura, de solidariedade, e em prole dos seus irmãos eslavos do sul...

 

E.- Grã-Bretanha

“Optou por uma presença discreta, embora ainda dominasse grande parte do comércio e do sector manufatureiro mundial e possuísse a maior marinha e o mais extenso império. A sua exposição estava instalada numa acolhedora casa de campo projetada pelo jovem arquiteto Eduard Lutyens, no estilo tudor, com uma estrutura de madeira, e consistia basicamente em pintura inglesa do século XVIII” (MacMillan, 2013: 38). Será que semelhante representação suscitava acaso menos consideração pela anfitriã, ou uma eventual «sobranceria» de quem se acha todo-poderosa, coadjuvada por uma pose imperial, de grande potência, ufanando-se do seu «esplendoroso isolamento»? Ou não, talvez os problemas que a guerra dos bóeres lhe trouxe, as crises de liderança que porventura adivinhava, de um modo especial das ameaças da nascente e potente Alemanha? Quem sabe se preocupada com a decadência e o acaso do seu império? Interrogações maldosas, cínicas, bem certo. Afinal de contas que outra coisa não era a sua diplomacia tão ziguezagueante, consubstanciada no seu tão desejado e confortável «esplêndido isolamento»?

 

F.- França

 

Le Grand Palais depuis le pont Alexandre III à Pa

(Exposição Universal de Paris 1900 - Le Grand Palais depois da ponte Alexandre III em Paris)

Não tinha pavilhão próprio, “«afinal de contas, toda a Exposição fora concebida como um monumento à civilização francesa, ao poder francês, à indústria e agricultura francesa, e às colónias»” (MacMillan: 2013: 39). Nas diversas exposições, salas consecutivas foram dedicadas às realizações francesas. Segundo o Guia Hachette, a secção francesa do Palais de Beaux-Arts era, naturalmente, um modelo de bom gosto e de luxo. A exposição traduziu a reafirmação, por parte da França, de que continuava a ser uma grande potência, ainda que apenas trinta anos antes tivesse sido estrondosamente vencida, quando tentava impedir o nascimento da Alemanha “ (MacMillan, 2013: 39).

 

G.- Estados Unidos da América

 

Pavilhão dos Estados Unidos da América.jpg

(Exposição Universal de Paris 1900 - Pavilhão dos Estados Unidos da América)  

Inicialmente os Estados Unidos não estavam incluídos no grupo dos pavilhões estrangeiros, ao longo do Sena. Eis a explicação que um importante industrial, homem de negócios de Chicago, deu para a sua presença: “Os Estados Unidos desenvolveram-se tanto que isso lhes dá o direito não só a um lugar destacado entre as nações da Terra mas ao primeiro lugar entre as civilizações mais avançadas” (Blom, The Vertigo Years: 8, citado por MacMillan, 2013: 51). Com efeito, e citando Margaret MacMillan, (2013: 50-51) “em 1900, os Estados Unidos já haviam conseguido recuperar da guerra civil. O seu governo esmagara os últimos vestígios da resistência dos índios e o domínio que tinha sobre o seu território era total. Chegavam ao país, em grande número, emigrantes que vinham trabalhar nas suas explorações agrícolas, nas suas fábricas e nas suas minas e a economia americana expandia-se rapidamente. Se a Grã-Bretanha desempenhava o principal papel na primeira revolução industrial, ocorrida no século XVIII, e baseada no carvão, no vapor e no ferro, os Estados Unidos, com a sua rede de eletricidade e a sua capacidade aparentemente ilimitada de inovação tecnológica, encontrava-se na vanguarda da segunda, no final do século. Em 1902, as fábricas americanas produziam mais ferro e aço do que a Alemanha e a Grã-Bretanha juntas. As exportações americanas, que incluíam desde cigarros a máquinas, triplicaram entre 1860 e 1900. Em 1913, os Estados unidos detinham 11% do comércio mundial e essa percentagem aumentava todos os anos.

Na exposição o pavilhão americano, que acabou, de facto, por ficar situado num local importante, junto ao rio, era uma reprodução do Capitólio em Washington, no topo de cuja cúpula se via uma enorme escultura - A Liberdade a ser puxada por quatro cavalos no Carro do Progresso.

 

H.- Portugal

 

Não podíamos deixar aqui de referir o modesto pavilhão português da autoria de um grande arquiteto da época, Raul Lino.

Pavilhão Português.jpg

(Exposição Universal de Paris 1900 - Pavilhão Português) 

Pormenor do Pavilhão português -  Projecto de Ra

(Exposição Universal de Paris 1900 - Um pormenor do projeto do Pavilhão Português, da autoria de Raul Lino)

 

4.- Síntese

Esta Exposição, e o seu tempo, nas palavras do então jovem escritor austríaco Stefan Zweig, prefigurava a Era de Ouro da Segurança. Uma era em que as grandes potências que acumularam riqueza, território, influência e poder militar, eram ainda europeias: Grã-Bretanha, França, Alemanha, Áustria-Hungria e Itália e, a leste, a Rússia.

Segundo Margaret MacMillan, in op.cit., as exposições coloniais que integravam o certame indicavam o extraordinário poder que uma fração muito pequena do mundo acumulara nos séculos anteriores. Os países da Europa dominavam grande parte da superfície da Terra, quer através dos seus impérios formais, quer pelo controlo informal de grande parte do resto, mediante a sua força económica, financeira, tecnológica e militar.

Os caminhos-de-ferro, as pontes, os cabos telegráficos, as linhas de navios a vapor e as fábricas do mundo inteiro utilizavam o know how e o capital europeus e eram normalmente dirigidos por empresas europeias.

Em 1800, a Europa controlava, aproximadamente, 35% do Planeta; em 1914, essa proporção atingira os 84%.

A Exposição Universal de Paris de 1900 espelhava “uma Europa segura e orgulhosa de si mesma [que] abria então os braços a uma mudança de século de que só se podiam esperar coisas boas. Poucas vezes, [contudo], a perceção e a realidade estiveram tão afastadas entre si” (Canal da História, 2013: 54).

“Consumo, sociedade de massas, radioatividade, cinemas, gramofones, Art Nouveau, relatividade, aviões, cubismo, jornais, telefones, grandes armazéns, psicanálise... A Europa dos primeiros anos do século XX palpitava com pulso acelerado. Sob uma camada de autoconfiança, fé no progresso e orgulho civilizacional fervilhava inquietamente um conjunto de tensões anunciando as profundas transformações que nas décadas seguintes modificariam por completo a sociedade europeia” (Canal da História, 2013: 75).

Cremos, falando a propósito desta Exposição Universal de Paris, em 1900, ter apresentado um conjunto de ingredientes suscetíveis de nos dar alguma luz e de nos fornecerem algumas pistas para procurarmos compreender o que levou os europeus, tão empertigados na fé do progresso científico e tecnológico, sempre constante e linear, e na crença de que todas as crises se resolveriam no âmbito do tão apregoado e celebrado «concerto europeu», em ordem à tão desejada Paz, embarcaram numa escalada de guerra tão mortífera e violenta como a que viemos a testemunhar.

Para trás ficaram pistas de intensões veladas de certos impérios, «matando» à nascença, ou asfixiando, qualquer tentativa de assunção singular de potências nascentes; para trás ficam pistas de povos, numa sociedade mais aberta, plural e diversa, à procura do reconhecimento e da afirmação das suas respetivas individualidades culturais, acionados, pelo efeito da imprensa e da propaganda, e muitas vezes, de nacionalismos exacerbados; para trás ficaram pistas quanto à emergência de políticas de alianças, defensivas ou ofensivas, procurando mais forças na prossecução intransigente dos seus interesses, poder e prestígio, utilizando, hábil, e secretamente, acordos, pela diplomacia.

É com este pano de fundo, representado por uma Exposição Universal, como a de Paris de 1900, - um enorme e portentoso espetáculo propagandístico e de marketing de povos e nações, pretendendo obter prestígio, reconhecimento, e exibindo o seu poder, de carácter imperial -, em que se propalava incessantemente o Progresso e a Paz, que poderemos encontrar alguns mapas de leitura que nos elucidem a febre e o «caldo» que, durante 14 anos, se foi «cozinhado» e que, inopinadamente, nos lançou num conflito bélico, cujos horrores, a Humanidade, até aquele momento, não tinha memória.

Antes, porém, precisamos aclarar e aprofundar a corrida às alianças e os fatores de perturbação do sul da Europa.

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