VERSEJANDO COM IMAGEM
EM GRAVE DIA, SENHOR, QUE VOS VI
Em grave dia, senhor, que vos vi,
por mi e por quantos me querem bem!
E por Deus, senhor, que vos nom pês en!
E direi-vos quanto per vós perdi:
perdi o mund'e perdi-me com Deus,
e perdi-me com estes olhos meus,
e meus amigos perdem, senhor, mim.
E, mia senhor, mal dia eu naci
por tod'este mal que me por vós vem!
Ca per vós perdi tod'est'e o sem
e quisera morrer e nom morri;
ca me nom quiso Deus leixar morrer
por me fazer maior coita sofrer,
por muito mal que me lh'eu mereci.
Ena mia coita, pero vos pesar
seja, senhor, já quê vos falarei,
ca nom sei se me vos ar veerei:
tanto me vej'em mui gram coit'andar
que morrerei por vós, u nom jaz al.
Catade, senhor, nom vos éste mal,
ca polo meu nom vos venh'eu rogar.
E ar quero-vos ora conselhar,
per bõa fé, o melhor que eu sei
- metede mentes no que vos direi:
quem me vos assi vir desamparar
e morrer por vós, pois eu morto for,
tam bem vos dirá por mi "traedor"
come a mim por vós, se vos matar.
E de tal preço guarde-vos vós Deus,
senhor e lume destes olhos meus,
se vos vós en nom quiserdes guardar!
João Soares Coelho
Trovador medieval
Nacionalidade - Portuguesa
Notas biográficas
Trovador português, ainda descendente, por via bastarda, de Egas Moniz e dos senhores de Ribadouro, João Soares Coelho terá nascido nos anos iniciais da segunda década do século XIII, tendo sido criado, provavelmente, em Cinfães. A primeira notícia que temos dele, datada de 1235, localiza-o, no entanto, no Alentejo, testemunhando um documento do infante D. Fernando de Serpa (irmão mais novo do rei D. Sancho II), plausivelmente como seu cavaleiro e vassal. É possível, pois, que João Soares tenha acompanhado o percurso do infante por esses anos, percurso que o leva primeiro a Roma, em 1238, onde vai implorar perdão ao Papa pelos variados atropelos por si e pelos seus homens cometidos contra os bispos de Lisboa e da Guarda, e que o leva em seguida a Castela, entre 1240 e 1243, como vassalo do rei D. Fernando III, seu primo direito. Segundo José Mattoso, D. Fernando de Serpa terá chegado a integrar a hoste do infante herdeiro, D. Afonso (futuro Afonso X), o que fornece um contexto credível para as relações de proximidade que são visíveis entre João Soares Coelho e os trovadores e jograis que fazem parte, por essa época, do círculo do infante castelhano. Casou, de qualquer modo, por esses anos, com Maria Fernandes de Ordéns, dama galega de uma linhagem relativamente obscura.
Regressando o infante de Serpa a Portugal em 1243, não sabemos se João Soares o terá ou não acompanhado. São esses igualmente os anos do agravar do conflito que conduziu à guerra civil portuguesa, durante a qual, e enquanto foi vivo, o infante de Serpa tomou o partido do seu outro irmão, o Conde de Bolonha. Da posição de João Soares no conflito nada sabemos de concreto. Seja como for, a partir de 1249, João Soares aparece-nos na corte portuguesa do novo rei, Afonso III, onde passa a ter uma presença constante, recebendo mesmo em doação, em 1254, a vila de Souto de Riba Homem. A sua proximidade com o monarca comprova-se também pela ascensão social da sua família, nomeadamente pelo facto de o seu filho, Pero Coelho, ter sido mais tarde meirinho-mor de D. Dinis. É possível que tenha falecido pouco depois de 1279, data do último documento conhecido em que figura.
Acrescente-se, como pormenor curioso, que, segundo os Livros de Linhagens (LL 36CD), duas das suas filhas foram assassinadas pelos respetivos maridos por mao preço. Num registo diferente, note-se ainda que um dos seus netos, Estêvão Peres Coelho, foi igualmente trovador.
In - Cantigas Medievais Galego Portuguesas