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30
Mai22

Versejando com imagem - Sonetos I, 11, de Paulino António de Cabral (Abade de Jazente)

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SONETOS I, 11

2022.- Sil (Catamaran+Luíntra+S.to Estevo) (89)

Brutos penhascos, rústicas montanhas,

Medonhos bosques, hórrida maleza,

Que me vedes, coberto de tristeza,

Saudoso habitador destas campanhas.

 

Para me suavizar mágoas tamanhas,

Alteremos um pouco a Natureza;

Civilize meu mal vossa dureza,

Barbarizai-me vós estas entranhas.

 

Meu pranto vos comova algum afeto

De branda compaixão; pois da impiedade

Encontra sempre em vós um duro objeto.

 

Pode ser, que com esta variedade,

Seja mais agradável vosso aspeto,

Sinta eu menos cruel minha saudade.

 

Paulino António Cabral

(Abade de Jazente)

 

 

29
Mai22

Versejando com imagem - Cantata de Dido, de Pedro António Correia Garção

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CANTATA DE DIDO

Dido-Rainha-da-Mitologia-Grega

Já no roxo oriente branqueando,

As prenhes velas da troiana frota

Entre as vagas azuis do mar dourado

Sobre as asas dos ventos se escondiam.

A misérrima Dido,

Pelos paços reais vaga ululando,

C'os turvos olhos inda em vão procura

O fugitivo Eneias.

Só ermas ruas, só desertas praças

A recente Cartago lhe apresenta;

Com medonho fragor, na praia nua

Fremem de noite as solitárias ondas;

E nas douradas grimpas

Das cúpulas soberbas

Piam noturnas, agoureiras aves.

Do marmóreo sepulcro

Atónita imagina

Que mil vezes ouviu as frias cinzas

De defunto Siqueu, com débeis vozes,

Suspirando, chamar: – Elisa! Elisa!

D'Orco aos tremendos numens

Sacrifícios prepara;

Mas viu esmorecida

Em torno dos turícremos altares,

Negra escuma ferver nas ricas taças,

E o derramado vinho

Em pélagos de sangue converter-se.

Frenética, delira,

Pálido o rosto lindo

A madeixa subtil desentrançada;

Já com trémulo pé entra sem tino

No ditoso aposento,

Onde do infido amante

Ouviu, enternecida,

Magoados suspiros, brandas queixas.

Ali as cruéis Parcas lhe mostraram

As ilíacas roupas que, pendentes

Do tálamo dourado, descobriam

O lustroso pavês, a teucra espada.

Com a convulsa mão súbito arranca

A lâmina fulgente da bainha,

E sobre o duro ferro penetrante

Arroja o tenro, cristalino peito;

E em borbotões de espuma murmurando,

O quente sangue da ferida salta:

De roxas espadanas rociadas,

Tremem da sala as dóricas colunas.

Três vezes tenta erguer-se,

Três vezes desmaiada, sobre o leito

O corpo revolvendo, ao céu levanta

Os macerados olhos.

Despois, atenta na lustrosa malha

Do prófugo dardânio,

Estas últimas vozes repetia,

E os lastimosos, lúgubres acentos,

Pelas áureas abóbadas voando

Longo tempo depois gemer se ouviram:

 

«Doces despojos,

Tão bem logrados

Dos olhos meus,

Enquanto os fados,

Enquanto Deus

O consentiam,

Da triste Dido

A alma aceitai,

Destes cuidados

Me libertai.

 

«Dido infelice

Assaz viveu;

D'alta Cartago

O muro ergueu;

Agora, nua,

Já de Caronte,

A sombra sua

Na barca feia,

De Flegetonte

A negra veia

Surcando vai.

 

Pedro António Correia Garção, in 'Antologia Poética'

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26
Mai22

Versejando com imagem - Quando em meu desvelado pensamento, de Domingos dos Reis Quita

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QUANDO EM MEU DESVELADO PENSAMENTO

om imagem - Quando em meu desvelado pensamento 03

Quando em meu desvelado pensamento

O teu formoso gesto se afigura,

Não sei que afeto sinto, ou que ternura,

Que a toda esta alma dá contentamento.

 

Ali fico num largo esquecimento,

Contemplando na minha conjetura

De teu sereno rosto a graça pura,

De teus olhos o doce movimento.

 

Porém logo a inconstante fantasia

Me acorda o entendimento arrebatado,

E desfaz todo o bem que me fingia,

 

Sendo tal este gosto imaginado,

Que de Amor outra glória eu não queria

Mais que trazer-te sempre em meu cuidado.

 

Domingos dos Reis Quita, in 'Antologia Poética'

23
Mai22

Versejando com imagem - Pôr-se o sol, de João Xavier de Matos

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PÔR-SE O SOL

2022.- Pelo alto Barroso (151)

Pôs-se o sol... Como já na sombra feia

Do dia pouco a pouco a luz desmaia,

E a parda mão da noite, antes que caia,

De grossas nuvens todo o ar semeia!

 

Apenas já diviso a minha aldeia;

Já do cipreste não distingo a faia.

Tudo em silêncio está; só lá na praia

Se ouvem quebrar as ondas pela areia.

 

Co’a mão na face, a vista ao céu levanto;

E cheio de mortal melancolia,

Nos tristes olhos mal sustenho o pranto.

 

E se inda algum alívio ter podia,

Era ver esta noite durar tanto

Que nunca mais amanhecesse o dia!

 

João Xavier de Matos, in “Rima

20
Mai22

Versejando com imagem - Que aziago que fui, que dia infausto, de António Dinis da Cruz Silva

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QUE AZIAGO QUE FUI, QUE DIA INFAUSTO

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Que aziago que foi, que dia infausto

Aquele, em que vi tua formosura!

Em que cheio de amor e de ternura

Esta alma te ofertei em holocausto!

 

Teus olhos m'o fizeram ter por fausto,

Teus belos olhos cheios de doçura,

Mas logo me fez ver minha loucura

Teu peito de rigores nunca exausto.

 

Ai! e quão mesquinho é, quão desgraçado

Aquele, que como as mostras vão se engana

De um angélico rosto sossegado!

 

Pois mil vezes encobre a vista humana

Qual áspide cruel florido prado,

Um coração uma alma desumana.

 

António Dinis da Cruz e Silva, in 'Antologia Poética'

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17
Mai22

Versejando com imagem - Uns lindos olhos, vivos, bem rasgados, de Filinto Elísio

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UNS LINDOS OLHOS, VIVOS, BEM RASGADOS

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Uns lindos olhos, vivos, bem rasgados,

    Um garbo senhoril, nevada alvura;

    Metal de voz que enleva de doçura,

    Dentes de aljôfar, em rubi cravados:

 

Fios de ouro, que enredam meus cuidados,

    Alvo peito, que cega de candura;

    Mil prendas; e (o que é mais que formosura)

    Uma graça, que rouba mil agrados.

 

Mil extremos de preço mais subido

    Encerra a linda Márcia, a quem of'reço

    Um culto, que nem dela inda é sabido:

 

Tão pouco de mim julgo que a mereço,

    Que enojá-la não quero de atrevido

    Co' as penas, que por ela em vão padeço.

 

Filinto Elísio, in "Sonetos"

14
Mai22

Versejando com imagem - Cegueira de amor, de Nicolau Tolentino

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CEGUEIRA DE AMOR

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Fiei-me nas promessas que afetavas

Nas lágrimas fingidas que vertias,

Nas ternas expressões que me fazias,

Nessas mãos que as minhas apertavas.

 

Talvez, cruel, que, quando as animavas,

Que eram doutrem na ideia fingirias,

E que os olhos banhados mostrarias

De pranto, que por outrem derramavas.

 

Mas eu sou tal, ingrata, que, inda vendo

Os meus tristes amores mal seguros,

De amar-te nunca, nunca me arrependo.

 

Ainda adoro os olhos teus perjuros,

Ainda amo a quem me mata, ainda acendo

Em aras falsas, holocaustos puros.

 

Nicolau Tolentino, in «Antologia Poética»

11
Mai22

Versejando com imagem - Os porquês do amor, de José Anastácio da Cunha

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OS PORQUÊS DO AMOR

VI - Os porquês do amor

Céu, porque tão convulso e consternado

Me bate, ao Vê-la, o coração no peito?

Porque pasma entre os beiços congelado,

Indo a falar-lhe, o tímido conceito?

 

Porque nas áureas ondas engolfado

Da caudalosa trança, inda que afeito,

Me naufraga o juízo embelezado,

E em ternura suavíssima desfeito?

 

Porque a luz dos seus olhos, tão ativa,

Por lânguida inda mais encantadora,

Me cega, e por a ver, ansioso, clamo?

 

Porque da mão nevada sai tão viva

Chama, que me eletriza e me devora?

Os mesmos meus porquês me dizem: - Amo!

 

José Anastácio da Cunha

08
Mai22

Versejando com imagem - Lira I, de Tomás António Gonzaga

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LIRA I

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Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,

que viva de guardar alheio gado,

de tosco trato, de expressões grosseiro,

dos frios gelos e dos sóis queimado.

Tenho próprio casal e nele assisto;

dá-me vinho, legume, fruta, azeite;

das brancas ovelhinhas tiro o leite,

e mais as finas lãs, de que me visto.

Graças, Marília bela.

graças à minha Estrela!

 

Eu vi o meu semblante numa fonte:

dos anos inda não está cortado;

os Pastores que habitam este monte

respeitam o poder do meu cajado.

Com tal destreza toco a sanfoninha,

que inveja até me tem o próprio Alceste:

ao som dela concerto a voz celeste

nem canto letra, que não seja minha.

Graças, Marília bela.

graças à minha Estrela!

 

Mas tendo tantos dotes da ventura,

só apreço lhes dou, gentil Pastora,

depois que o teu afeto me segura

que queres do que tenho ser senhora.

É bom, minha Marília, é bom ser dono

de um rebanho, que cubra monte e prado;

porém, gentil Pastora, o teu agrado

vale mais que um rebanho e mais que um trono.

Graças, Marília bela.

graças à minha Estrela!

 

Os teus olhos espalham luz divina,

A quem a luz do Sol em vão se atreve:

Papoula, ou rosa delicada, e fina,

Te cobre as faces, que são cor de neve.

Os teus cabelos são uns fios d’ouro;

Teu lindo corpo bálsamos vapora.

Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,

Para glória de amor igual tesoura.

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

 

Tomás António Gonzaga

Publicado no livro Marília de Dirceu: Parte I (1792).

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05
Mai22

Versejando com imagem - Feito na cerca de Chelas, de Marquesa de Alorna

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FEITO NA CERCA DE CHELAS

     (primeiro soneto composto pela Marquesa de Alorna)

2021.- Parque dos Poetas (Oeiras) (130)

(Escultura de Marquesa de Alorna no Parque dos Poetas - Oeiras)

 

Deitei-me sôbre a fresca relva um dia,

E dando a um sono leve alguns instantes

C’os prazeres sonhei, que lá distantes

Debuxava a estragada fantasia.

 

Saturno vagaroso me trazia

Um diadema de lúcidos diamantes,

Entramado de mirtos odorantes,

O qual Cípria na fronte me cingia.

 

A Fortuna risonha se mostrava,

Mas no disco da roda vacilando,

Voltando-a, me levou quando eu sonhava.

 

Já Délio para os mares ia olhando,

E Bóreas, que raivoso murmurava,

M’acordou, como dantes, suspirando.

 

Marquesa de Alorna

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