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zassu

14
Mai21

Versejando com imagem - Carta ao mar, de António Gomes Leal

VERSEJANDO COM IMAGEM

 

CARTA AO MAR

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Deixa escrever-te, verde mar antigo,

Largo Oceano, velho deus limoso,

Coração sempre lírico, choroso,

E terno visionário, meu amigo!

 

Das bandas do poente lamentoso

Quando o vermelho sol vai ter contigo,

- Nada é mais grande, nobre e doloroso,

Do que tu, - vasto e húmido jazigo!

 

Nada é mais triste, trágico e profundo!

Ninguém te vence ou te venceu no mundo!...

Mas também, quem te pode consolar?!

 

Tu és Força, Arte, Amor, por excelência! -

E, contudo, ouve-o aqui, em confidencia;

- A Música é mais triste inda que o Mar!

 

António Gomes Leal,

in 'Claridades do Sul'

12
Mai21

Versejando com imagem - Regresso ao lar, de Guerra Junqueiro

VERSEJANDO COM IMAGEM

 

REGRESSO AO LAR

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Ai, há quantos anos que eu parti chorando

Deste meu saudoso, carinhoso lar!...

Foi há vinte?...há trinta? Nem eu sei já quando!...

Minha velha ama, que me estás fitando,

Canta-me cantigas para eu me lembrar!...

 

Dei a volta ao mundo, dei a volta à Vida...

Só achei enganos, deceções, pesar...

Oh! a ingénua alma tão desiludida!...

Minha velha ama, com a voz dorida,

Canta-me cantigas de me adormentar!...

 

Trago damargura o coração desfeito...

Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!

Nunca eu saíra do meu ninho estreito!...

Minha velha ama que me deste o peito,

Canta-me cantigas para me embalar!...

 

Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho

Pedrarias dastros, gemas de luar...

Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!...

Minha velha ama, sou um pobrezinho...

Canta-me cantigas de fazer chorar!

 

Como antigamente, no regaço amado,

(Venho morto, morto!...) deixa-me deitar!

Ai, o teu menino como está mudado!

Minha velha ama, como está mudado!

Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!...

 

Cante-me cantigas, manso, muito manso...

Tristes, muito tristes, como à noite o mar...

Canta-me cantigas para ver se alcanço

Que a minh’alma durma, tenha paz, descanso,

Quando a Morte, em breve, ma vier buscar!...

 

Guerra Junqueiro

10
Mai21

Versejando com imagem - Aos tristes, de Conde de Monsaraz

VERSEJANDO COM IMAGEM

 

AOS   TRISTES

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Uma criança que salta,

Que canta, que ri e chora,

É uma risonha aurora

Que o coração nos esmalta.

 

Triste daquele a quem falta,

Na vida que se evapora,

Uma criança que salta,

Que canta, que ri e chora.

 

Se o desalento me assalta,

Se a doença me devora,

Dá-me uma estranha melhora,

Que me anima e que me exalta.

Uma criança que salta,

Que canta, que ri e chora!

 

CONDE DE MONSARAZ
(1853-1913)

criancapulando

António de Macedo Papança, Conde de Mansaraz. Seu triunfo definitivo nas letras somente alcançou em 1880, em Coimbra, quando à Sala dos Capelos da Universidade foi recitar, por ocasião da festa comemorativa do Centenário da Morte de Camões, o seu poemeto «Catarina de Ataíde». Nessa ocasião provocou um delírio de aclamações por parte de todos os ouvintes. Seu nome ficou consagrado como dos primeiros líricos da sua geração e as estrofes do seu poemeto foram vulgarizadas em extremo pelos meios literários do País.

Em 1882, por ocasião do Centenário do Marquês de Pombal, publica «O Grande Marquês», poemeto também, e logo a seguir «A Lenda do Jesuitismo», ambos reunidos no volume «Telas Históricas». Mais tarde escreve «Do Último Romântico» e «Páginas Soltas». Todas estas composições foram reunidas em 1909 em 2 volumes sob o título de «Obras do Conde de Monsaraz». Foi deputado às Cortes de Lisboa e Par do reino, em 1898. Pertencia à Academia Real das Ciências de Lisboa.

 

08
Mai21

Versejando com imagem - A vaidosa, de Cesário Verde

VERSEJANDO COM IMAGEM

 

VAIDOSA

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Dizem que tu és pura como um lírio

E mais fria e insensível que o granito,

E que eu que passo aí por favorito

Vivo louco de dor e de martírio.

 

Contam que tens um modo altivo e sério,

Que és muito desdenhosa e presumida,

E que o maior prazer da tua vida,

Seria acompanhar-me ao cemitério.

 

Chamam-te a bela imperatriz das fátuas,

a déspota, a fatal, o figurino,

E afirmam que és um molde alabastrino,

E não tens coração como as estátuas.

 

E narram o cruel martirológio

Dos que são teus, ó corpo sem defeito,

E julgam que é monótono o teu peito

Como o bater cadente dum relógio.

 

Porém eu sei que tu, que como um ópio

Me matas, me desvairas e adormeces

És tão loira e doirada como as messes

E possuis muito amor... muito "amor próprio".

 

Cesário Verde

06
Mai21

Versejando com imagem - Viagens na minha terra, de António Nobre

VERSEJANDO COM IMAGEM

 

VIAGENS NA MINHA TERRA

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Às vezes, passo horas inteiras

Olhos fitos nestas braseiras,

Sonhando o tempo que lá vai;

E jornadeio em fantasia

Essas jornadas que eu fazia

Ao velho Douro, mais meu Pai.

 

Que pitoresca era a jornada!

Logo, ao subir da madrugada,

Prontos os dois para partir:

- Adeus! adeus! é curta a ausência,

Adeus! - rodava a diligência

Com campainhas a tinir!

 

E, dia e noite, aurora a aurora,

Por essa doida terra fora,

Cheia de Cor, de Luz, de Som,

Habituado à minha alcova

Em tudo eu via coisa nova,

Que bom era, meu Deus! que bom!

 

Moinhos ao vento! Eiras! Solares!

Antepassados! Rios! Luares!

Tudo isso eu guardo, aqui ficou:

ó paisagem etérea e doce,

Depois do Ventre que me trouxe

A ti devo eu tudo que soul

 

No arame oscilante do Fio,

Amavam (era o mês do cio)

Lavandiscas e tentilhões...

Águas do rio vão passando

Muito mansinhas, mas, chegando

Ao Mar, transformam-se em leões!

 

Ao Sol, fulgura o Oiro dos milhos!

Os lavradores mai-los filhos

A terra estrumam, e depois

Os bois atrelam ao arado

E ouve-se além, no descampado

Num ímpeto, aos berros: - Eh! bois!

 

E, enquanto a velha mala-posta,

A custo vai subindo a encosta

Em mira ao lar dos meus Avós,

Os aldeãos, de longe, alerta,

Olham pasmados, boca aberta...

A gente segue e deixa-os sós.

 

Que pena faz ver os que ficam!

Pobres, humildes, não implicam,

Tiram com respeito o chapéu:

Outros, passando a nosso lado,

Diziam: "Deus seja louvado!"

"Louvado seja!" dizia eu.

 

E, meiga, tombava a tardinha...

No chão, jogando a vermelhinha,

Outros vejo a discutir.

Carpiam, místicas, as fontes...

Água fria de Trás-os-Montes

Que faz sede só de se ouvir!

 

E, na subida de Novelas,

O rubro e gordo Cabanelas

Dava-me as guias para a mão:

Isso... queriam os cavalos!

Que eu não podia chicoteá-los...

Era uma dor de coração.

 

Depois, cansados da viagem,

Repoisávamos na estalagem

(Que era em Casais, mesmo ao dobrar...)

Vinha a S.ra Ana das Dores

"Que hão de querer os meus Senhores?

Há pão e carne para assar..."

 

Oh! ingênuas mesas, honradas!

Toalhas brancas, marmeladas,

Vinho virgem no copo a rir...

O cuco da sala, cantando. . .

(Mas o Cabanelas, entrando,

Vendo a hora: "É preciso partir").

 

Caía a noite. Eu ia fora,

Vendo uma estrela que lá mora,

No Firmamento português:

E ela traçava-me o meu fado

"Serás Poeta e desgraçado!"

Assim se disse, assim se fez.

 

Meu pobre Infante, em que cismavas,

Por que é que os olhos profundavas

No Céu sem-par do teu País?

Ias, talvez, moço troveiro,

A cismar num amor primeiro:

Por primeiro, logo infeliz...

 

E o carro ia aos solavancos.

Os passageiros, todos brancos,

Ressonavam nos seus gabões:

E eu ia alerta, olhando a estrada,

Que em certo sítio, na Trovoada,

Costumavam sair ladrões.

 

Ladrões! Ó sonho! Ó maravilha!

Fazer parte duma quadrilha,

Rondar, à Lua, entre pinhais!

Ser Capitão! trazer pistolas,

Mas não roubando, - dando esmolas

Dependuradas dos punhais ...

 

E a mala-posta ia indo, ia indo.

o luar, cada vez mais lindo,

Caía em lágrimas, - e, enfim,

Tão pontual, às onze e meia,

Entrava, soberba, na aldeia

Cheia de guizos, tlim, tlim, tlim!

 

Lá vejo ainda a nossa Casa

Toda de lume, cor de brasa,

Altiva, entre árvores, tão só!

Lá se abrem os portões gradeados,

Lá vêm com velas os criados,

Lá vem, sorrindo, a minha Avó.

 

E então, Jesus! quantos abraços!

- Qué dos teus olhos, dos teus braços,

Valha-me Deus! como ele vem!

E admirada, com as mãos juntas,

Toda me enchia de perguntas,

Como se eu viesse de Betlém!

 

- E os teus estudos, tens-me andado?

Tomara eu ver-te formado!

Livre de Coimbra, minha flor!

Mas vens tão magro, tão sumido...

Trazes tu no peito escondido,

E que eu não saiba, algum amor?

 

No entanto entrava no meu quarto:

Tudo tão bom, tudo tão farto!

Que leito aquele! e a água, Jesus!

E os lençóis! rico cheiro a linho!

- Vá, dorme, que vens cansadinho.

Não adormeças com a luz!

 

E eu deitava-me, mudo e triste.

(- Reza também o Terço, ouviste?)

Versos, bailando dentro em mim...

Não tinha tempo de ir na sala,

De novo: - Apaga a luz! - Que rala!

Descansa, minha Avó, que sim!

 

Ora, às ocultas, eu trazia

No seio, um livro e lia, lia,

Garrett da minha paixão...

Daí a pouco a mesma reza:

- Não vás dormir de luz acesa,

Apaga a luz! ... (E eu ainda... não!)

 

E continuava, lendo, lendo...

O dia vinha já rompendo,

De novo: - Já dormes, diz?

- Bff!... e dormia com a idéia

Naquela tia Dorotéia,

De que fala Júlio Dinis.

 

Ó Portugal da minha infância,

Não sei que é, amo-te a distância,

Amo-te mais, quando estou só...

Qual de vós não teve na Vida

Uma jornada parecida,

Ou assim, como eu, uma Avó?

 

António Nobre

Paris, 1892.

04
Mai21

Versejando com imagem - Floriram por engano as rosas bravas, de Camilo Pessanha

VERSEJANDO COM IMAGEM

 

FLORIRAM POR ENGANO AS ROSAS BRAVAS

DSC03452

 

Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?

 

Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que num momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

 

E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...

 

Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze - quanta flor! - do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?


Camilo Pessanha

02
Mai21

Versejando com imagem - Para sempre , de Carlos Drummond de Andrade

VERSEJANDO COM IMAGEM

 

PARA SEMPRE

Foto da Mãe

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

"Lição de Coisas: poesia". São Paulo: J. Olympio, 1965.

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