PALAVRAS SOLTAS...
BREVES NOTAS SOBRE OS ARTIGOS DE DEMATTEIS E BAGNASCO
CAPÍTULO II
PORQUE É TÃO IMPORTANTE A ANÁLISE SOCIAL TERRITORIAL
(ARNALDO BAGNASCO)
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Neste texto BAGNASCO, segundo PETSIMERIS, ao partir de algumas reflexões sobre as tendências significativas da economia contemporânea, como sejam, a crise da grande indústria, o descentramento dos polos urbano-industriais, a nova divisão internacional do trabalho, a interação entre os processos de organização territorial devidos ao capital internacional e os devidos ao desenvolvimento endógeno, a crise fiscal do Estado e o consequente debilitamento do Estado Providência, tenta caracterizar as relações inovadoras da dialética espaço/sociedade e a crescente importância dos factos locais para a organização das transformações estruturais e sociais.
Para BAGNASCO, ainda segundo PETSIMERIS, acabou-se um longo “trend” de homogeneização da sociedade no território. Não existe, desapareceu, já a tendência para a concentração industrial. E estamos perante uma diferenciação de formas organizativas do sistema económico que se manifestam de «formas distintas em lugares distintos».
Os modelos gerais ou dialéticos, refere ainda PETSIMERIS, no tocante a este artigo, já não são suficientes para analisar estes fenómenos. A exemplo do que já no Capítulo I DEMATTEIS apontava, precisamos de novos modelos interpretativos que «reconcetualizem» a importância da diferenciação espacial da sociedade. Para isso é, pois, necessário analisar a diversificação da economia em lugares distintos através de interações com formas sociais distinta.
E BAGNASCO, ainda na ótica de PETSIMERIS, faz uma tentativa pré-teórica, ao lançar «sugestões» sobre a importância da dimensão territorial, muitas vezes esquecida na análise social.
BAGNASCO, a final, sublinha a importância da produção de novos modelos, mais idóneos, para a análise de fenómenos muito complexos.
Sumariemos, um pouco mais em detalhe, este texto de BAGNASCO, tão brilhantemente esquematizado por PETSIMERIS.
1.- O estancamento ou declínio da ocupação na grande empresa e o descentramento dos polos urbano-industriais
O estancamento ou declínio da ocupação na grande empresa, face ao desenvolvimento da tecnologia e à modernização da indústria nos países industrializados, gerou uma tendência «à crise de proveito» e o descentramento dos polos urbano-industriais, abrangendo, de uma forma mais ampla, a indústria manufatureira, provocando um aumento em flecha do desemprego e levando assim a novas formas de localismo social, não só com novas formas locais de economia paralela (e informal e doméstica) mas também com “redes sociais congruentes e referências simbólicas adequadas”.
É sabido que a grande empresa está, desde há muito tempo, numa fase de recessão. As causas são diversas. Contudo o custo do trabalho, em relação a outros parâmetros, parece jogar aqui um papel muito importante. Para BAGNASCO a empresa de menores dimensões adquire maior importância, recativando assim o mercado de trabalho em profunda crise.
Ainda segundo BAGNASCO a procura da pequena ou média dimensão da empresa não se deve apenas ao facto do custo da mão de obra ser mais barata ou à elasticidade no seu uso. Há outros motivos, como sejam, a dimensão ótima para uma certa escala de produção bem assim a elasticidade organizativa. Por outro lado, ainda, o desenvolvimento das indústrias energéticas e de informação «incitam», e tornam cada vez mais possível, esquemas descentrados de produção, com eficácia técnica semelhante à até então produção verticalizada. A reativação do mercado torna assim mais «móvel» a estrutura económica, inclusive no sentido espacial. A procura de um custo menor do trabalho põe em relevo, ou em evidência, os mercados de trabalho locais bem assim a sua descontinuidade territorial.
Desta forma, ao mesmo tempo que se verifica uma maior desconcentração dos polos urbano-industriais, pela procura de novas bolsas de trabalho mais barato, quer nas periferias das áreas metropolitanas, mais perto das áreas rurais, e pela entrada, cada vez maior do «braço feminino», assiste-se, por outro lado, à centralização das funções de gestão e de nível terciário superior nas grandes cidades e nos centros das áreas metropolitanas.
Para BAGNASCO, o conjunto destas circunstâncias levam a uma “redefinição na divisão regional do trabalho”. Mas, para compreender este aspeto acima referido, é necessário analisar os restantes. Assim:
2.- A importância da dimensão territorial na análise social
2.1.- A crise fiscal do Estado e o consequente debilitamento do Estado Previdência
O redimensionamento da política social teve aqui duas consequências, mercê de políticas mais liberais. Por um lado, a compra e venda, de determinadas bens e serviços, obtidos pelos cidadãos junto de instituições públicas, a preços sociais, deixaram de ser prestados, entrando assim no esquema de mercado; por outro lado, uma série de deveres sobre a família, sobre redes de vizinhança de tipo associativo e outros foram realizados livremente de outro tipo. E, tais factos, deram lugar à tendência também para o aparecimento do localismo em termos de diferenciação do fator social que pode ser cultivada quer a nível regional (regiões, áreas) quer a nível microterritorial. Esta relevância do fator local é congruente com as mudanças macroestruturais embora não se possam considerar apenas como uma «adaptação passiva a um processo unívoco».
2.2.- A nova divisão internacional do trabalho e a interação entre os processos de organização territorial devidos ao capital internacional e ao desenvolvimento endógeno
No passado, a relação entre as áreas desenvolvidas e as áreas subdesenvolvidas estabelecia-se sobre uma divisão das funções segundo a qual os países subdesenvolvidos eram substancialmente abastecedores de matérias primas e produtos agrícolas. Nesta fase, que dura até ao final da II Grande Guerra Mundial, os investimentos dos países ditos «centrais» nas áreas desenvolvidas, da também dita «periferia», são de relativa importância e estão diretamente ligados às funções acima referidas.
Agora, nesta nova fase que se consolidou depois da II Grande Guerra Mundial, os investimentos dos países «centrais» nas «periferias» crescem e olham também, e especialmente, à produção manufatureira. Neste sentido, a economia mundial começa a reestruturar-se pela estruturação da divisão internacional do trabalho mais complexo e pelo aparecimento, na cena económica, principalmente depois de 1960, de alguns países da «periferia», ou do Terceiro Mundo, que chegam a ser exportadores de produtos da indústria manufatureira. Ou seja, o capital produtivo dos países «centrais» procura novas oportunidades de proveito no exterior. E, no cálculo das conveniências, o custo do trabalho, é um elemento crucial, junto com outros custos, como as matérias primas e os transportes para os mercados distribuidores e os gastos de infraestruturas, etc.
Todo este processo de reestruturação da economia abrange essencialmente os sectores têxtil, madeiras e calçado, mas também os produtos elétricos e eletrónicos, instrumentos óticos ou bens de investimento. Poderia parecer que todo este processo tinha apenas a ver, e fosse simplesmente organizado e determinado pelo capital multinacional. Segundo BAGNASCO, não só. Existe neste processo uma relação também muito forte entre a própria internacionalização do capital «central» e os processos endógenos nos países implicados, apelidados de «semiperiferias», «semi-industrializados» ou «emergentes».
É certo que as multinacionais foram decisivas no encaminhamento do processo, jogando um papel relevante no desenvolvimento posterior, contudo, os novos processos de divisão internacional do trabalho conduzem-nos diretamente a uma consequência específica de ordem espacial que nos interessa, isto é, é cada vez maior a relevância de novas áreas territoriais social e economicamente diferenciadas. E assim tal facto leva-nos, hoje em dia, a termos em conta a análise dos sistemas territoriais, ou seja, a análise do nível regional, aqui entendido no seu sentido mais amplo. Impõe-se, em suma, a compreensão dos processos históricos reais.
Ao contrário daqueles que outrora pensavam que o processo económico iria simplificar e homogeneizar a estrutura territorial, rompendo assim com as formas sociais locais diferenciadas, reconhece-se a importância de formas relevantes da sociedade local, mas não nos moldes de antanho.
Assim, e por mais incrível que pareça, as formas sociais locais diferenciadas nascem agora de novo. Contudo, tal facto, não significa que estejamos perante formas sociais de tipo pré-industrial.
O «centro» significava grande concentração industrial, alto nível de proletarização nas fábricas, organização formal, concentração da população, etc. Estas coisas continuam a existir (e sendo «centrais»), mas assistimos também ao aparecimento de “sujeitos das sociedades locais que são, também, sujeitos da sociedade global, implicados nas suas dinâmicas”, mas também «comprometidos» com as novas dinâmicas da sociedade local, redefinindo em parte os seus meios e contextos de ação. Desta forma, o fator local, por muito pequeno ou grande que seja, “não pode ser considerado simplesmente uma consequência de ação de forças externas (...) existe sempre uma interação e, na análise, consideram-se variáveis exógenas e endógenas. As características que assume o fator social não são um acidente que impeça ou modifique uma presumível e perfeita realização da ação do «centro»: são uma dimensão do processo”.
Os esquemas espaciais são sempre esquemas estruturais, contrapostos aos esquemas «históricos», construídos sobre o tempo, sublinha BAGNASCO.
Variáveis exógenas e endógenas, características estruturais e dinâmicas históricas “definiram-se a miúdo precisamente na análise da relação entre velho e novo”.
Chegados aqui poderíamos dizer que a maior mobilidade verificada hoje na indústria parece ligada a duas tendências: “a difusão de atividades à procura de determinadas condições favoráveis e, por outro lado, a «socialização territorial» de mais atividades em contextos determinados”.
3.- A importância da emergência de novos modelos para a análise de fenómenos mais complexos
A ideia de hierarquia, em contexto económico, utiliza-se normalmente para expressar as relações entre países e diferentes zonas.
Segundo BAGNASCO, citando G. ARRIGHI, “a coordenação da divisão internacional do trabalho no caso do velho capital comercial e financeiro era «anárquico-informal»”; por outro lado, “as empresas multinacionais, sediadas em diferentes países, tenderão a estabelecer coordenação «hierárquico-formal» através da divisão do trabalho «no seu interior»” Semelhante estratégia para além de ter dado um novo impulso a homogeneização das velhas diferenciações originais, por outro lado, estimulou o poder e a cultura dos estados nacionais e das sociedades locais.
Desta forma, o novo contexto económico não só se dá em função da divisão interna do trabalho da empresa multinacional como também é regulado por esta, por transações de mercado, intervenções públicas, com mais agentes, meios e estratégias que entram em jogo.
E, nesta conformidade, BAGNASCO deixa uma pergunta: o que sucederá quando e onde este processo se complexificar mais, quando se estabelecerem redes territoriais mais complexas de interações entre empresas externas e locais, quando a economia e a sociedade se complexificarem mais e aparecerem contextos com peso social próprio?
Muitos observadores, diz BAGNASCO, apoiando-se em WALLERSTEIN, estão dando conta já do aparecimento e emergência destes problemas, sublinhando a importância de tudo quanto está a suceder entre o «centro» e «periferia», imaginando uma fase na qual a «semiperiferia» vai ganhando mais importância numa análise mais diferencial e precisa em termos económicos e políticos.
E remata: “no plano do modo de produção, as teorias do capitalismo avançado mostraram importantes novidades estruturais que se referem, entre outras coisas, à articulação da dinâmica de classe com outras dinâmicas de interesses que se estabelecem entre economia e política. No plano do eixo territorial, os esquemas dualísticos dão o lugar a esquemas mais complexos e a novas formas sociais localizadas chegam a ser fenómenos a ter em conta”.