A tua nudez inquieta-me.

 

Há dias em que a tua nudez

é como um barco subitamente entrado pela barra.

Como um temporal. Ou como

certas palavras ainda não inventadas,

certas posições na guitarra

que o tocador não conhecia.

 

A tua nudez inquieta-me. Abre o meu corpo

para um lado misterioso e frágil.

Distende o meu corpo. Depois encurta-o e tira-lhe

contorno, peso. Destrói o meu corpo.

A tua nudez é uma violência

suave, um campo batido pela brisa

no mês de Janeiro quando sobem as flores

pelo ventre da terra fecundada.

 

Eu desgraço-me, escrevo, faço coisas

com o vocabulário da tua nudez.

Tenho «um pensamento despido»;

maturação; altas combustões.

De mão dada contigo entro por mim dentro

como em outros tempos na piscina

os leprosos cheios de esperança.

E às vezes sucede que a tua nudez é um foguete

que lanço com mão tremente desastrada

para rebentar e encher a minha carne

de transparência.

 

Sete dias ao longo da semana,

trinta dias enquanto dura um mês

eu ando corajoso e sem disfarce,

iluminado, certo, harmonioso.

E outras vezes sucede que estou: inquieto.

Frágil.

Violentado.

 

Para que eu me construa de novo

a tua nudez bascula-me os alicerces.

 

Fernando Assis Pacheco,

A Musa Irregular, Lisboa:

Assírio & Alvim, 2006.

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