PALAVRAS SOLTAS
A UTOPIA AINDA É POSSÍVEL!...
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Num artigo de opinião, de Jorge Paiva, sob o título «Civismo, ética, pandemias e sobrevivência», saído no jornal o «Público» do passado dia 28 de dezembro, respigámos os seguintes excertos:
“As florestas são dos ecossistemas onde estes seres [nomeadamente, bactérias e vírus] são mais abundantes, quer na manta morta, quer na superfície das plantas. Uma árvore tem milhares de esporos ou propágulos de mixomicetes. Ao derrubar-se uma árvore, eliminam-se milhares de potenciais mixomicetes, predadores de microrganismos. Quando, além disso, se destrói, o ecossistema florestal, libertam-se de controlo milhões de bactérias e vírus que podem provocar novas doenças, como aconteceu, por exemplo, com a HIV e com a febre hemorrágica do Ébola.
(...)
Infelizmente, neste momento, há apenas 20% das florestas que existiam quando a nossa espécie surgiu neste Globo, uma «Gaiola» que temos vindo a sujar e a alterar o equilíbrio dos ecossistemas naturais, nos quais temos vindo a dizimar a biodiversidade [a par da incorreta exploração dos escassos recursos do planeta e da consequente poluição que lhe esta conexa]. É deprimente e assustador saber-se que, por exemplo, se o ritmo atual de poluição do Mar Mediterrâneo não se alterar, em 2030 (daqui a dez anos), não haverá peixes neste mar interior e que, se o atual ritmo da diminuição da biodiversidade continuar, mais de metade das espécies de mamíferos e de aves desaparecerá até ao final deste século (daqui a 80 anos).
(...)
Porém, a sociedade consumista em que se transformou a designada «civilização ocidental» tornou-se opressiva, violenta e demolidora. Assim, as pessoas não só não têm tempo para se aperceberem de como estamos a poluir a «Gaiola» (planeta Terra) em que vivemos e como estamos a destruir a Natureza.
(...)
Há cerca de meio século que são organizadas cimeiras internacionais sobre o ambiente e biodiversidade, mas a conduta (...) de decisores políticos tem levado estas iniciativas ao fracasso por incumprimento dos acordos estabelecidos.
Os políticos apregoam imenso que é necessário um desenvolvimento sustentável, mas não fazem concretamente nada para que assim aconteça.
(...) as Nações Unidas realizam frequentemente Cimeiras Internacionais sobre o Ambiente e Biodiversidade, mas os políticos, com uma total falta de ética, nunca cumpriram os acordos”.
Muito – se não, porventura, tudo – por que hoje passamos tem a ver com esta conduta e postura, desde há séculos, que a Humanidade tem para com a Natureza.
Será que estamos num caminho sem retorno?
De imediato, no meio da reflexão deste texto, que acima transcrevemos alguns – poucos – excertos, veio-nos à lembrança uma obra de Daniel Innerarity que, há poucos anos, lemos.
Deixamos também aqui algumas «Palavras Soltas» desta lúcida obra aos(às) nossos(as) leitores(as) - «A sociedade Invisível – como observar e interpretar as transformações do mundo atual», editada em 2004:
“Uma das funções da utopia consiste, precisamente, em ela ajudar a dramatizar a imperfeição do tempo presente, a produzir a sensação e cultivar o pressentimento de que, na expressão de Adorno, «falta qualquer coisa».
(...)
O pensamento utópico habilita-nos a observar o possível no contexto do atual e o atual no contexto do possível. A utopia agudiza o engenho no meio da invisibilidade.
(...)
Um aspeto distintivo do ser humano é a capacidade de procurar e inventar alternativas, de usar atalhos.
(...)
A convicção de ser possível organizar a sociedade de outra maneira faz parte das próprias condições de uma sociedade democrática, e por isso as constituições institucionalizam a oposição, canalizam as alternativas e, de uma maneira mais radical, estabelecem procedimentos de modificação de um modo análogo à inclusão de cláusulas de revogação dos contratos.
(...)
(...) a utopia fortalece a nossa consciência do caráter contingente da política.
(...)
A política não é administração, [e, infelizmente, quase tão só, é; e mais ainda, regida por princípios partidocráticos] mas configuração, esboço das condições da ação humana, abertura de possibilidades. Tem fortes relações com o inédito e o insólito; não é uma ação estritamente colada à experiência disponível. (Sublinhado nosso). Com visão propspectiva. E não a comesinha gestão do presente, do agora.
(...)
A utopia é hoje salvaguarda da indeterminação, um instrumento para proteger o caráter aberto e imprevisível do futuro.
(...)
Contra a utopia clássica, concebida segundo o modelo regulamentado da máquina, do sistema fechado, compacto e simples, que nada deixa ao acaso, a utopia contemporânea deveria ser sensível à complexidade, deveria [tem de] avaliar a indeterminação e estar orientada para a busca de procedimentos alternativos. Por isso, a utopia pode e deve ser pensada sem transparência nem unanimidade. [Uma sociedade unanime é uma sociedade sem futuro, morta].
(...)
O seu principal objetivo é aumentar a precisão daquilo que estamos em condições de pretender, daquilo que razoavelmente podemos esperar. E também nos ajuda a clarificar o que pretendemos exigir una aos outros como membros de comunidades locais e globais e por que situações vale a pena por tudo em jogo”.
É, assim, servindo-nos destas «Palavras Soltas» emprestadas – e à reflexão profunda de todos nós – que nos despedimos de 2020, deixando uma palavra de esperança (utópica?) para que, cada vez mais, e em consciência, construamos um futuro – dentro da imprevisibilidade da(s) sociedade(s) em que vivemos – contudo, mais conscientes da nossa vulnerabilidade e, por isso mesmo, mais atentos, precautos, mais cuidadosos e mais ambiciosos e empenhados na conservação e preservação deste «nicho», «Gaiola», que nos dá o privilégio de nos acolher – a nossa mãe-Natureza - planeta Terra.
Por que a Paz – que neste dia celebramos – só faz exatamente sentido com esta aguda consciência: a de uma profunda Irmandade, dentro da natural diversidade, entre todos os Seres Humanos, e destes, com a Natureza.
Bom Ano 2021!
Antonio de Souza e Silva