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zassu

31
Mar20

Versejando com imagem - Cântico de Humanidade, Miguel Torga

 

VERSEJANDO COM IMAGEM

 

CÂNTICO DE HUMANIDADE

lavrar-a-terra

Hinos aos deuses, não.

Os homens é que merecem

Que se lhes cante a virtude.

Bichos que lavram no chão,

Atuam como parecem,

Sem um disfarce que os mude.

 

Apenas se os deuses querem

Ser homens, nós os cantemos.

E à soga do mesmo carro,

Com os aguilhões que nos ferem,

Nós também lhes demonstremos

Que são mortais e de barro.

 

Miguel Torga, in Nihil Sibi

30
Mar20

Palavras Soltas - Esperança e luta por um outro paradigma de vida

 

PALAVRAS SOLTAS

 

ESPERANÇA E LUTA POR UM OUTRO PARADIGMA DE VIDA

 

Desde o Iluminismo, quando as pessoas se revoltavam

contra as autoridades e decidiram usar as forças

da razão para melhor suas vidas,

têm encontrado formas de o fazer, e há pouca dúvida

de que continuarão a conquistar vitórias

contra as forças da morte.

 

Agus Deaton, 2013,

in «The Great Escape: Health, weath, and the origins of inequality»

 

 

giphy (1)

Steve Pinker, na sua obra «O Iluminismo AGORA em defesa da Razão, Ciência, Humanismo e Progresso» afirma que durante quase toda a história da Humanidade a força da morte mais poderosa foi (é) a doença infeciosa. Esta doença é a desagradável componente da evolução onde organismos pequenos, que se reproduzem rapidamente, e que garantem a sua sobrevivência à custa do ser humano, transportando-se, de corpo para corpo, em insetos, vermes, fluxos corporais e vírus. 

 

As epidemias mantaram milhões de pessoas, devastando povos e civilizações inteiras, trazendo repentinamente o caos e a miséria.

 

Ninguém foi (era) poupado. Ricos e pobres, ninguém escapava!

 

Contudo, afirma, o sempre criativo Homo sapiens já há muito que combatia a doença com charlatanices, tal como a reza, o sacrifício, o derramamento de sangue, a aplicação de ventosas, os metais tóxicos, a homeopatia e o sangrar uma galinha até à morte contra uma parte infetada do corpo. 

 

Todavia, o curso da batalha começou a mudar em meados do século XVIII com a invenção da vacinação e acelerou no século XIX com o reconhecimento da teoria microbiana da doença.

 

A lavagem das mãos, a obstetrícia, o controlo de mosquitos e, especialmente, a proteção da água potável dos escoamentos de esgotos públicos e a coloração da água da torneira haveriam de salvar milhares de milhões de vidas.

 

De entre um numero infindo de descobertas, no dia 12 de abril de 1955, uma equipa de cientistas anunciou a segurança comprovada da vacina de Jonas Salk contra a poliomielite - uma doença que matava milhares de pessoas todos os anos, paralisou Franklin Roosevelt e condenou várias crianças aos «pulmões de aço» (uso de ventiladores de pressão negativa que auxiliavam os pacientes com dificuldades respiratórias graves ou mesmo com paralisia dos músculos respiratórios).

 

E o autor que vimos seguindo, pergunta-nos: ultimamente, quanta atenção temos dispensado a Karl Landsteiner, ele que apenas salvou um milhar de milhão de vidas com a sua descoberta dos grupos sanguíneos? 

 

E o que dizer destes, entre muitos outros, heróis, cujo quadro abaixo apresentamos?

 

Saúde

A estimativa acima feita por investigadores calcula ainda que mais de cinco mil milhões de vidas foram salvas (até agora) por cerca de uma centena de cientistas, que os mesmos selecionaram.

 

Apesar dos cientistas serem ignorados - e até mesmo a própria ciência - pelo cidadão (comum), uma coisa é certa: se não fosse a comunidade de cientistas e a ciência, nossas vidas não se teriam transformado ao ponto não só de termos melhor qualidade de vida como mais longevidade.

 

Se é certo que a razão e o progresso científico é a chave para o fim dos horrores que, periodicamente, a Humanidade padece, há que, por isso, todos nos consciencializarmo-nos que a luta pela saúde e pela vida, é a nossa principal prioridade e que deve ser uma constante em toda a nossa Sociedade.

 

Na verdade, a defesa da vida só com conhecimento e informação é que se consegue. Informação e conhecimento são a chave para os males que afligem toda a Humanidade.

 

Todos os dias circulam pelas redes sociais palavras e reflexões sobre o momento por que hoje passamos. Queríamos deixar aqui aos(às) nossos(as) leitores(as) duas.

 

A primeira, dizendo-lhes que este não é o apocalipse, mas pode ser uma oportunidade para entender o real propósito da nossa passagem por este planeta Terra. quando a Europa, neste momento, é mais afetada que a África; quando um beijo se torna uma arma; quando o dinheiro, que cada um tem, não nos salva; quando a vida como a entendemos até agora para todos e o tempo se torna um castigo... talvez quando voltarmos a sair de casa, andaremos mais devagar, mais perto, mais humildes, mais humanos.

 

A segunda é um texto de uma psicóloga italiana - Francesca Morelli - que passamos a transcrever:

"Acredito que o Universo tem a sua maneira de equilibrar as coisas e as suas leis quando estão viradas do avesso. O momento que vivemos, cheio de anomalias e paradoxos, dá que pensar. Numa altura em que as alterações climáticas causadas por desastres ambientais chegaram a níveis preocupantes, primeiro a China e depois tantos outros países vêem-se obrigados ao bloqueio. A Economia colapsa, mas a poluição diminui consideravelmente. O ar melhora; usam-se máscaras, mas respira-se.

Num momento histórico em que algumas ideologias e políticas discriminatórias, com fortes referências a um passado mesquinho, estão a reativar-se em todo o planeta, chega um vírus que nos faz perceber que, num instante, podemos ser nós os discriminados, os segregados, os bloqueados na fronteira, os portadores de doenças. Mesmo que não tenhamos culpa disso. Mesmo que sejamos brancos, ocidentais e viajemos em classe executiva.

Numa sociedade fundada na produtividade e no consumo, em que todos nós corremos 14 horas por dia na direção não se sabe muito bem de quê, sem sábados nem domingos, sem feriados no calendário, de repente chega o “parem”. Fechados, em casa, dias e dias. A fazer contas com o tempo do qual perdemos o valor. Será que ainda sabemos o que fazer dele?

Numa altura em que o acompanhamento do crescimento dos filhos é, por força das circunstâncias, confiada a outras figuras e instituições, o vírus fecha as escolas e obriga a encontrar outras soluções, a juntar a mãe e o pai com as crianças. Obriga a refazer família.

Numa dimensão em que as relações, a comunicação, a sociabilidade se processam principalmente no “não-espaço” do virtual, das redes sociais, dando-nos uma ilusão de proximidade, o vírus tolhe-nos a verdadeira proximidade, a real: que ninguém se toque, nada de beijos, nada de abraços, tudo à distância, na frieza do não contacto. Até que ponto dávamos por adquiridos estes gestos e o seu significado?

Numa altura em que pensar no próprio umbigo se tornou regra, o vírus envia uma mensagem clara: a única saída possível é através da reciprocidade, do sentido de pertença, da comunidade, do sentimento de fazer parte de algo maior, de que cuidamos e que pode cuidar de nós. A responsabilidade partilhada, o sentir que das nossas ações depende não apenas o nosso destino mas o de todos os que nos rodeiam. E que dependemos das deles.

Por isso, deixemo-nos da caça às bruxas, de perguntar de quem é a culpa ou porque é que tudo isto aconteceu, e perguntemos antes o que podemos aprender com isto. Creio que temos todos muito para refletir e fazer. Porque para com o Universo e as suas leis, evidentemente, temos uma grande dívida. Explica-nos o vírus, com juros muito altos.”

Para os nossos(as) amigos(as) galegos(as) e castelhanos(as) deixamos este vídeo:

 

LA REFLEXÍON DE UNA PSICÓLOGA ITALIANA SOBRE EL CORONAVIRUS

Se é verdade que hoje o nosso lema é fazermos guerra ao Coronavirus Covid-19, que, pelo nosso Planeta, está dizimando mulheres e homens, também é bem certo que a situação por que hoje dramaticamente passamos exige de todos nós um outro paradigma de vida: de luta e guerra contra as guerras; de luta e guerra contra a não preservação do Planeta onde habitamos; de luta e guerra contra os individualismos mesquinhos que trazemos do berço. 

 

União e solidariedade são as palavras que hoje em dia - e sempre - fazem todos a diferença e têm todo o sentido.

 

António de Souza e Silva

29
Mar20

Versejando com imagem - Pérola solta, José Régio

 

VERSEJANDO COM IMAGEM

 

PÉROLA SOLTA

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Sem que eu a esperasse,

Rolou aquela lágrima

No frio e na aridez da minha face.

Rolou devagarinho...,

Até à minha boca abriu caminho.

Sede! o que eu tenho é sede!

Recolhi-a nos lábios e bebi-a.

Como numa parede

Rejuvenesce a flor que a manhã orvalhou,

Na boca me cantou,

Breve como essa lágrima,

Esta breve elegia.

 

José Régio, in Filho do Homem

27
Mar20

Ao Acaso... Palavras efetivamente repugnantes!...

 

AO ACASO…

 

PALAVRAS EFETIVAMENTE REPUGNANTES!...

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Em tempo de distanciamento social forçado, apesar de termos a sensação de que muito que se tem escrito até agora terá de ser profundamente revisto e que nada ficará como dantes, obrigando-nos a enfrentar um outro paradigma de vivermos neste Mundo, construindo uma outra Sociedade, pelas redes sociais entra-nos a atitude de indignação do Primeiro-ministro português, António Costa, face as declarações do ministro das Finanças holandês, Wopke Hoekstra.

 

Estamos completamente de acordo com as palavras de António Costa: simplesmente repugnantes!...

 

Ao Acaso… fomos encontrar estas palavras de Steven Pinker no seu livro, saído em 2018, sob o título «O Iluminismo Agora em Defesa da Razão, da Ciência, Humanismo e Progresso» quando nos diz que a ideia de natureza humana universal leva-nos ao conceito de Humanismo. “Humanismo que privilegia o bem-estar individual de homens, mulheres e crianças em detrimento da glória da tribo, da raça, das nações e da religião.

São os indivíduos, e não os grupos, que são sencientes – que sentem prazer e dor, satisfação e angústia. Quer tendo como objetivo a finalidade de providenciar a felicidade de maior número de pessoas possível, quer como imperativo categórico de tratar as pessoas como fins e não como meios (…) a natureza humana prepara-nos para responder a esse apelo. Isso deve-se ao facto de sermos dotados do sentimento de compaixão, que os pensadores iluministas também designavam por benevolência, piedade e comiseração.

Uma vez que estamos equipados com a capacidade de nos solidarizamos com os outros, nada impede que o círculo da compaixão se estenda da nossa família e da tribo para abraçar toda a Humanidade, principalmente quando a razão nos leva a perceber que não existe nada de único que seja merecido exclusivamente por nós ou por qualquer dos grupos a que pertencemos.

Nós somos, assim, forçados ao cosmopolitismo, ou seja, à aceitação da nossa cidadania no mundo”.

 

E, desta feita, perguntamo-nos: que gente é esta que governa a União Europeia, berço do Iluminismo e do Humanismo?

 

Não é esta Europa à qual aderimos e pela qual indefetivelmente queremos estar, lutar e construir!...

 

António de Souza e Silva

25
Mar20

Versejando com imagem - Não é fácil, Senhor, a vida que nos deste, António Cabral

 

VERSEJANDO COM IMAGEM

 

NÃO É FACIL, SENHOR, A VIDA QUE NOS DESTE

 

2018.-Vidago -  Parque do Palace Hotel (48)

Não é fácil, Senhor, a vida que nos deste.

Se há momentos serenos como lagos

inundados de sol,

também há a selva escura,

infindável e escura, de muitas horas

que cansam e fazem doer a alma.

 

Há longas esperanças que, depois

de levarem o melhor dos nossos sonhos,

desabam de repente.

Há o fracasso, o desânimo

e a insegurança de tudo quanto nos vem às mãos.

 

Não é fácil, Senhor, a vida que nos deste.

Luta-se muito, temos de lutar,

todos os dias, por qualquer coisa,

qualquer coisa que acaba por nos fugir,

como se a vida se reduzisse

a um puro jogo das escondidas,

como se nos criasses apenas

para te servirmos de passatempo.

 

Não é fácil, Senhor, a vida que nos deste.

Por isso, muitos corações

se vão assemelhando a pequenos pântanos

onde se desenvolve o limo da melancolia

ou a serpente do desespero.

Por isso as árvores do sonho

mal conseguem dar frutos

e os poucos frutos

deixam nos lábios um sabor a fel…

 

Não é fácil, Senhor, a vida que nos deste.

 

António Cabral, in Poemas Durienses

23
Mar20

Versejando com imagem - Morena, Guerra Junqueiro

 

VERSEJANDO COM IMAGEM

 

MORENA

FB_IMG_1583712001774

Não negues, confessa

Que tens certa pena

Que as mais raparigas

Te chamem morena.

 

Pois eu não gostava,

Parece-me a mim,

De ver o teu rosto

Da cor do jasmim.

 

Eu não... mas enfim

É fraca a razão,

Pois pouco te importa

Que eu goste ou que não.

 

Mas olha as violetas

Que, sendo umas pretas,

O cheiro que têm!

Vê lá que seria,

Se Deus as fizesse

Morenas também!

 

Tu és a mais rara

De todas as rosas;

E as coisas mais raras

São mais preciosas.

 

Há rosas dobradas

E há-as singelas;

Mas são todas elas

Azuis, amarelas,

De cor de açucenas,

De muita outra cor;

Mas rosas morenas,

Só tu, linda flor.

 

E olha que foram

Morenas e bem

As moças mais lindas

De Jerusalém.

E a Virgem Maria

Não sei... mas seria

Morena também.

 

Moreno era Cristo.

Vê lá depois disto

Se ainda tens pena

Que as mais raparigas

Te chamem morena!

 

Guerra Junqueiro, in 'A Musa em Férias'

21
Mar20

Versejando com imagem - Confiança, Miguel Torga

 

VERSEJANDO COM IMAGEM

 

E porque hoje é o Dia Mundial da Poesia, nesta nossa rubrica deixamos aqui um poema do nosso poeta maior – Miguel Torga – com o desejo, face aos tempos difíceis por que passamos, em nós renasça a confiança de podermos (re)construir o mundo, se possível, muito melhor.

 

2020.- Ecovia do Rabaçal (PR3-VLP) - Nikon (257)

CONFIANÇA

 

O que é bonito neste mundo, e anima,

É ver que na vindima

De cada sonho

Fica a cepa a sonhar outra aventura…

E que a doçura que se não prova

Se transfigura

Numa doçura

Muito mais pura

E muito mais nova…

 

Miguel Torga, In "Cântico do Homem", 1950.

18
Mar20

Versejando com imagem - Viagem, Miguel Torga

 

VERSEJANDO COM IMAGEM

 

VIAGEM

 

2020.- Vila do Conde (Porto) (273)

Aparelhei o barco da ilusão

E reforcei a fé do marinheiro.

Era longe o meu sonho, e traiçoeiro

O mar…

Só nos é concedida

Esta vida

Que temos;

E é nela que é preciso

Procurar

O velho paraíso

Que perdemos).

 

Prestes, larguei a vela

E disse adeus ao cais, à paz tolhida.

Desmedida,

A revolta imensidão

Transforma dia a dia a embarcação

Numa errante e alada sepultura…

Mas corto as ondas sem desanimar,

Em qualquer aventura,

O que importa é partir, não é chegar.

 

Miguel Torga, Câmara Ardente

14
Mar20

Versejando com imagem - Perenidade, Miguel Torga

 

VERSEJANDO COM IMAGEM

 

PERENIDADE

 

Camélia rosa

Nada no mundo se repete.

Nenhuma hora é igual à que passou.

Cada fruto que vem cria e promete

Uma doçura que ninguém provou.

 

Mas a vida deseja

Em cada recomeço o mesmo fim.

E a borboleta, mal desperta, adeja

Pelas ruas floridas do jardim.

 

Homem novo que vens, olha a beleza!

Olha a graça que o teu instinto pede.

Tira da natureza

O luxo eterno que ela te concede.

 

Miguel Torga, in «Libertação»

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