AO ACASO…
CAPELA DO SOCORRO
(VILA DO CONDE – PORTO)
E o sol desmaia na cal
Da capela a branquejar
Da Senhora do Socorro
Onde sonhei me ir casar
José Régio
Habitualmente, quando efetuamos qualquer escapadinha de fim-se-semana, procuramos programar a visita ao local (ou locais) para onde nos dirigimos, sabendo o que ver, onde comer e dormir, embora saibamos que nem sempre as coisas correm como o programado.
Contudo, o essencial é sempre visto.
Ora, desta vez, quando nos dirigimos à cidade de Vila do Conde, no distrito do Porto, banhada pelo rio Ave, assim não aconteceu.
Seguimos a máxima de Eduardo Lourenço quando afirma que “mais importante que o destino é a viagem”. E, na peugada de Fernando Pessoa, deixámo-nos levar pelo que ele diz quando “afinal, a melhor maneira de viajar é sentir”.
E foi, em Vila do Conde, o que fizemos: deixámo-nos levar por aquilo que em nós os sentidos mais nos despertaram.
É vidente que não podíamos deixar de visitar – na medida do possível – o Convento de Santa Clara, hoje a adaptar-se para uma unidade hoteleira de luxo; a Igreja de Santa Clara, contígua ao Mosteiro com o mesmo nome; o Aqueduto; a Igreja Matriz de Vila do Conde; o Largo D. Afonso Sanches, o Pelourinho, a réplica da Nau Quinhentista; a Igreja Nosso Senhor dos Navegantes; o Museu das Rendas de Bilros; a capela de Nossa Senhora da Guia; o Centro de Memória; o Mercado Municipal do Engenheiro Duarte Pacheco, a Casa José Régio, o Memorial aos Náufragos; a Alfandega Régia – Museu da Construção Naval; o Monumento ao Pescador; a Marginal Atlântica com as suas praias; o Forte de São João Baptista, também referido como Castelo de Vila do Conde; Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, na foz do rio Ave; a Igreja de São Simão e São Judas Tadeu; a Igreja e Convento de São Francisco; a Capela de Santo Amaro; a Pedra da Marca; o Cais das Lavandeiras; a Capela de São Bento; a Capela da Senhora da Agonia; o antigo Convento do Carmo, para referir os mais importantes e que nos vem agora à lembrança.
É evidente que nem tudo foi visto com o pormenor que estes lugares e edifícios/monumentos requeriam. Mas, o essencial, foi visto e analisado, sendo depois objeto de publicação em posts neste ou noutro blogue da nossa autoria.
De tudo quanto num fim de semana de inverno pudemos ver, e percorrendo o casario histórico de Vila do Conde, Ao Acaso… houve um imóvel que, particularmente, nos despertou a atenção.
Andávamos percorrendo a marginal do Ave, apreciando o seu casario e toda a sua envolvente, bem assim a sua estatuária pública urbana,
(Aspeto parcial do «Monumento a D. João II», do escultor José Rodrigues, com o Mosteiro de Santa Clara ao fundo)
(Um dos elementos do «Monumento a D. João II», do escultor José Rodrigues - Perspetiva I)
(Um dos elementos do «Monumento a D. João II», do escultor José Rodrigues - Perspetiva II)
(Monumento à mulher do pescador)
(Pormenor do Monumento à mulher do pescador)
quando nos demos conta – e nos surpreendeu – uma estranha construção num bairro tipicamente marítimo.
(Edifício por detrás da réplica à Nau Quinhentista)
Cheios de curiosidade, saindo da marginal, embrenhámo-nos no casario histórico vila-condense para irmos ter à Capela de Nossa Senhora do Socorro, também conhecida por Capela do Socorro ou Ermida de Nossa Senhora da Boa Viagem.
Eis o aspeto que apresenta a sua fachada principal.
Demos uma volta pelo pequeno e estreito adro que a rodeia.
(Perspetiva I)
(Perspetiva II)
O exterior é de planta quadrada; o interior, é circular e elíptica, e tem uma cúpula do tipo mesquita.
Entrámos.
O seu interior está coberto de azulejos do século XVIII que relatam aspetos da vida da Virgem Maria.
Esta Virgem é especialmente venerada pelos pescadores do estuário do rio Ave.
E, pelos vistos, esta «estranha» capela está classificada como Imóvel de Interesse Público, nos termos do Decreto nº 95/78, DR, I Série, nº 20, de 12 de setembro de 1978.
Nesta conformidade, vejamos o que a Direção-Geral do Património Cultural nos diz quanto a este imóvel classificado:
“Situada junto ao rio, a capela do Socorro destaca-se pela configuração dos volumes que a compõem, e por se encontrar num plano ligeiramente mais elevado, limitado por um murete, a que se acede através de uma pequena escadaria. Este templo insere-se no conjunto de ermidas e capelas de planta centralizada, que surgiram no nosso país no decorrer do século XVII, em maior número na região de Aveiro e Coimbra […]. Contudo, e ao contrário do que aconteceu em boa parte dos exemplos subsistentes, em Vila do Conde foi utilizado um modelo de planta quadrada, coberto por uma abóbada semiesférica, de grandes dimensões.
A cornija, que remata o corpo quadrangular, exibe uma série de elementos de granito que decoram e animam o volume inferior e, no extremo esquerdo do alçado Norte, uma sineira. A entrada é definida, nesta fachada, por um vão de arco perfeito em granito.
Trata-se de uma edificação seiscentista, erguida no início do século XVII, mais precisamente, em 1603, a expensas do piloto-mor da Carreira da Índia, Gaspar Manuel, e sua mulher, como atesta a inscrição existente no portal. É possível que o casal tenha patrocinado a construção deste templo com o objetivo de criar um mausoléu, onde ambos pudessem ser sepultados, o que veio a acontecer sete anos depois, em 1610, data em que faleceu Gaspar Manuel. A sua campa (e a sua mulher), rasa mas com brasão de armas e inscrição, mantém-se no interior do templo.
Todavia, neste espaço, é o conjunto azulejar barroco e o retábulo-mor, de talha branca e dourada, de gosto rococó, que se revestem de especial importância, emprestando à capela uma dinâmica e cenografia, próprias de uma época posterior à da sua edificação.
No altar de talha rococó, está uma imagem de Nossa Senhora segurando o Menino Jesus e uma âncora.
Os azulejos encontram-se divididos em dois níveis, muito possivelmente executados em épocas distintas e por artistas diferenciados. Assim, no inferior observam-se cenas de paisagens enquadradas por anjos de grandes dimensões, a que se sobrepõem cenas da vida da Virgem: Adoração dos Magos, Fuga para o Egipto, Jesus entre os Doutores, Apresentação da Virgem, Casamento de Nossa Senhora, Anunciação e Adoração dos pastores.
(Painel do lado da sacristia)
(Painel da Anunciação)
(Painel da Adoração ao Menino dos Reis Magos)
(Painel do lado da sacristia - Pormenor)
Os painéis figurativos foram atribuídos por Santos Simões ao Mestre P.M.P., o pintor de azulejo ativo no primeiro quartel do século XVIII, mas do qual se desconhece o nome […]. Este, pertence ainda ao denominado "ciclo dos grandes mestres", revelando a ascendência dos Oliveira Bernardes, mas desenvolvendo a sua obra num sentido mais ingénuo e menos erudito […]. Nos estudos e biografias relativas a este pintor, José Meco tem vindo a manter os azulejos da capela do Socorro no acervo pictórico do Mestre P.M.P., mas sem avançar nenhuma data mais específica para a sua execução”.
A autoria do texto é de Rosário Carvalho.
Por sua vez, no sítio da web da Paróquia de São João Batista de Vila do Conde e, a certa altura, diz-se: “a invocação da Virgem e o estilo arquitetónico da capela refletem os gostos de Gaspar Manuel, cuja sepultura ainda hoje pode ser encontrada no chão da capela. Piloto-mor era o funcionário marítimo responsável pela chefia do serviço de pilotagem dos portos, bem como pela superintendência de todos os seus pilotos da barra e práticos, cargo que era exercido por Gaspar Manuel no extremo oriente, de influência portuguesa. O gosto pela arquitetura oriental do seu construtor conferiu à capela um aspeto de “pagode indiano”. O interior, contudo, é bem típico da arquitetura portuguesa: revestido a azulejos do séc. XVIII que retratam aspetos da vida da virgem Maria; possui retábulo em talha rocócó, com a imagem de Nossa Senhora, segurando o menino e uma âncora”.
Saímos do local da capela e, poucos metros depois, rodando à direita, descendo uma escadas, dirigimos-mos à Alfandega Régia – Museu da Construção Naval.
Mas esta visita e este local, bem assim outros, como dissemos, será objeto de um ou outros posts.