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zassu

31
Jan18

Poesia e Fotografia 573

 

 

POESIA E FOTOGRAFIA

 

 

POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA

 

 

 

ALELUIA


Com flores de rododendro cor de fogo
Anuncio aos sentidos
O milagre
Da Ressurreição.
E o Cristo vivo, em que se transfigura
A mais vil criatura
Que atravessa a praça,
É como que uma graça
A mais da primavera.
Ah, quem pudera
Todos os dias
Olhar o mundo assim, repovoado
De fraternidade,
Quente dum sol desabrochado
Em cada pétala da realidade!


S. Martinho de Anta, 19 de Abril de 1987

2DDD2833A38B175AD307F20E4DEF1802.jpg

30
Jan18

Poesia e Arte 68

 

 

 

POESIA E ARTE

 

POEMAS NOS DIÁRIOS DEE MIGUEL TORGA

 

 

 ÍCARO


Minhas asas humanas de poeta!
Derreteu-as o sol da lucidez.
Cego, abria-as ao vento
Da inspiração
E voava.
Mas pouco a pouco,
Como quem desperta,
Dei conta da cegueira.
E fui perdendo altura.
Agora, canto apenas
Ao rés-do-chão da vida,
A olhar o descampado
Do céu azul
Aberto à graça doutras emoções.
E o canto é triste assim desiludido.
Falta-lhe a perspetiva e o sentido
Que tinha quando eu tinha as ilusões.


Coimbra, 20 de Fevereiro de 1987

Draper_Herbert_James_Mourning_for_Icarus.jpg

 (Herbert James Draper - O Lamento por Ícaro)

29
Jan18

Poesia e Fotografia 572

 

 

POESIA E FOTOGRAFIA

 

POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA

 

 

ESTUÁRIO


O rio chega à foz.
Cansada, a minha voz
Desagua em silêncio
No grande mar do tempo.
A correr apressada
Desde a nascente,
Numa crescente
Inquietação lustral,
Foi um longo caudal
De solidão
Na infinita extensão
Da humana aridez.
Agora, na exaustão da caminhada,
Encontra finalmente a paz calada,
O eterno repouso da mudez.


Coimbra, 11 de Janeiro de 1987

estuc3a1riodouro.jpg

28
Jan18

Poesia e Fotografia 571

 

 

POESIA E FOTOGRAFIA

 

POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA

 

 

 

MIRADOIRO


Não sei se vês, como eu vejo,
Pacificado,

Cair a tarde
Serena
Sobre o vale,
Sobre o rio,
Sobre os montes
E sobre a quietação
Espraiada da cidade.
Nos teus olhos não há serenidade
Que o deixe entender.
Vibram na lassidão da claridade.
E o lírico poema que me acontecer
Virá toldado de melancolia,
Porque daqui a pouco toda a poesia
Vai anoitecer.


Chaves, 6 de Setembro de 1986

17219447393_5a0c0bb829_o.jpg

27
Jan18

Poesia e Fotografia 570

 

 

POESIA E FOTOGRAFIA

 

POEMAS NOS DIÁRIAS DE MIGUEL TORGA

 

 

REBATE


Tantas palavras que conheço agora
E malbarato
No papel,
Aqui onde só duas aprendi
Com eterno sentido:
Pai e Mãe!
Mas ninguém
Fica fiel à infância.
Crescemos
E perdemos
A inocência
E a sua mágica
Sabedoria.
Adulto que porfia
Nestas solfas de letras alinhadas
E paralelas,
Chego a ter pejo de as escrever.
Que podem dizer elas
Que valha a pena ler?


S. Martinho de Anta, 28 de Junho de 1986

Pai e Mãe de Torga.jpg

26
Jan18

Poesia e Fotografia 569

 

 

POESIA E FOTOGRAFIA

 

POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA

 

 

MENIR


Salve, falo sagrado,
Ereto na planura
Ajoelhada!
Quente e alada
Tesura
De granito,
Que, da terra emprenhada,
Emprenhas o infinito!


Outeiro, Monsaraz, 31 de Maio de 1986

Menir_do_Outeiro_Reguengos_de_Monsaraz_3.jpg

25
Jan18

Poesia e Fotografia 568

 

 

POESIA E FOTOGRAFIA

 

POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA

 

 

PUDOR


O auscultar do telefone é um búzio.
Oiço nele ressoar
O mar
Da tua voz inquieta.
Poeta
Causador da inquietação,
Sinto a mágoa de o ser
Doer
No coração.
Embaraçado, então,
Dúbia e liricamente, falo
Da beleza das crinas de cavalo
Das ondas
E das praias desertas onde as ondas
Morrem de solidão…
E desligo a corrente de emoção,
Antes que me decifres e respondas.


Coimbra, 10 de Março de 1986

river.jpg

23
Jan18

Poesia e Fotografia 567

 

 

POESIA E FOTOGRAFIA

 

POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA

 

 

ESPERANÇA


Tão fiel te fui a vida inteira,
E deixas-me na hora da verdade!
Eras a minha própria liberdade,
O meu anjo-da-guarda vigilante.
E quando, confiante,
A namorar o mundo na paisagem
E a ver em cada verso a tua imagem
Sorridente,
Eu porfiava em alcançar a meta
Do longo e penitente
Caminho de poeta
A que fui condenado,
Sinto-me de repente
Abandonado.
Sem a razão
De ter inspiração,
Traído,
Desmentido
E desesperado.


Coimbra, 30 de Janeiro de 1986

CPIS - 2ª etapa (Verín-Viladerrei) (152).jpg

22
Jan18

Poesia e Fotografia 566

 

 

POESIA E FOTOGRAFIA

 

POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA

 

 

NATAL


Nem pareces o mesmo,
Deus menino
Exposto
Num presépio de gesso!
E nunca foi tão santa no teu rosto
Esta paz que me dás e não mereço.


É fingida também a neve
Que te gela a nudez.
Mas gosto dela assim,
A ser tão branca em mim
Pela primeira vez.


Coimbra, 25 de Dezembro de 1985

presepio-com-18-pecas-gesso-branco-envelhecido-tam

21
Jan18

Poesia e Fotografia 565

 

 

POESIA E FOTOGRAFIA

 

POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA

 

 

DISPERSÃO


Perco-me na paisagem,
Planáltico, também,
E, como ela, aberto aos largos horizontes.
Deambulo, parado,
A ouvir, alheado,
O silêncio das fragas
E a música do vento.
Deixo que o pensamento
Não tenha direção
E seja apenas uma ondulação
A mais
Da natureza.
E canto, sem cantar,
Versos incertos, na incerteza
De mais tarde os lembrar.


S. Martinho de Anta, 25 de Setembro de 1985

CPIS - 2ª etapa (Verín-Viladerrei) (183).jpg

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