Grande Guerra (1914-1918) - 40
A GRANDE GUERRA (1914-1918)
E A PARTICIPAÇÃO DOS MILITARES DO RI 19 E DO ALTO TÂMEGA NO CONFLITO
PRIMEIRA PARTE
CONTEXTO INTERNACIONAL
(DA PLACIDEZ TECTÓNICA AO MOVIMENTO DAS PLACAS)
V
AS FRENTES DE COMBATE
(OU AS GRANDES ONDAS DE CHOQUE)
B.- BREVE ABORDAGEM ÀS OUTRAS FRENTES
Esclarece-se o leitor que a presente «Breve abordagem às outras frentes» resume, de alguma forma, a organização e, essencialmente, as leituras feitas ao conteúdo das obras de Martin Gilbert e Norman Stone, constantes da bibliografia apresentada e citada, bem assim os múltiplos artigos de David Martelo, constantes da compilação «Portugal e a Grande Guerra - 1914.1918», coordenada por Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes.
Gilbert (2007: 808, nota 11), refere as seguintes Frentes: Ocidental; Oriental; Galípoli; Mesopotâmia; Frente do Cáucaso; Frente Sérvia; Frente Ítalo-austríaca; Frente de Salónica. De uma forma intermitente, refere ainda, que se lutava na África Oriental, na África Central (Camarões) e na Pérsia.
Pela nossa parte apenas iremos abordar, de uma forma sucinta quanto possível, as seguintes frentes, para além da Frente Ocidental, a que demos mais destaque: Frente Oriental (Prússia Oriental, Galícia, Polónia, Cárpatos e Cáucaso); Balcãs (Sérvia, Bulgária, Roménia e Salónica); Frente do Sudeste Europeu e Médio Oriente (Turquia, Galípoli, Mesopotâmia, Cáusaco e Pérsia) e Frente Italiana. Faremos ainda uma brevíssima referência à zona do Pacífico e África (Colónias) e terminaremos nos Mares.
4.- Frente Oriental
4.1.- 1914
A Frente Oriental, com quase 1. 500 Km, tinha o dobro do comprimento da Frente Ocidental, e com muitos menos homens.
Em princípio, a Rússia deveria ter podido contar com inúmeros milhões de homens. A sua população, com 170 milhões de pessoas, era o dobro das da Alemanha e da Áustria-Hungria juntas. Mas os conscritos custavam dinheiro e o orçamento de guerra russo não chegava para alimentar e uniformizar mais de um quarto dos recursos humanos disponíveis. O exército russo de primeira linha, com 5 milhões de homens, não era maior que o alemão. Na Frente Oriental existiram geralmente 90 divisões russas contra 80 alemãs e austro-húngaras. Eram 1 500 russos por quilómetro quadrado e meio de frente.
Os franceses tinham depositado grandes esperanças numa vitória russa. E os russos, tal como tinham prometido, invadiram a Prússia Oriental, com cerca de 30 divisões.
Os alemães dispunham de ferrovias no sentido este-oeste; os russos só podiam avançar a pé, a partir de Grodno ou Varsóvia, arrastando-se pelas poeirentas estradas de agosto. Para além disso, as comunicações russas eram muito deficientes: os telegramas tinham de ser trazidos de automóvel de Varsóvia; as ordens eram transmitidas via rádio, mas sem codificação, logo, as informações eram facilmente percebidas pelos alemães, ficando estes facilmente ao corrente do que se passava nos exércitos russos. Uma grande vulnerabilidade!
A Alemanha contava com a lenta mobilização russa. Daí, a sua estratégia era de atacar em força na Frente Ocidental (Bélgica e França), ficando apenas de alerta para qualquer eventualidade quanto a ofensivas russas. Mas os russos iniciaram a sua ofensiva mais cedo do que os alemães contavam.
a).- Prússia Oriental
A 17 de agosto de 1914, o 1º exército russo, comandado por Rennenkampf, iniciou a sua movimentação em direção à região de Insterburg, onde esperava encontrar forças alemãs; o 2º exército, de Samsonov, progredia para sul dos Lagos Masúrua para, num movimento envolvente por norte, atacar, pela retaguarda, os alemães.
O dispositivo alemão era constituído pelo 8º exército, do general von Prittwitz, constituído por 4 Corpos de Exército, uma divisão de cavalaria, a guarnição de Könisberg (Kalinegrade) e algumas brigadas territóriais. Moltke, o Jovem, deu ordens para não se deixarem empurrar para a zona fortificada, nem que se empenhassem com tropas muito superiores. Mas as coisas não correram bem para os alemães: primeiro, foi a desobediência do comandante do I CE, general François; depois de alguns ataques bem-sucedidos pelos alemães, mais pela intrepidez do desobediente François, em que a 28ª divisão russa teve 60% de baixas, a Batalha de Gumbinnen, no seu todo, foi uma vitória russa.
A 22 de agosto, Prittwitz diz a Moltke, o Jovem, que teria de abrir mão da Prússia e retirar para o rio Vístula. Foi demitido e é substituído por um general na reforma, Paul von Hindenburg, tendo como seu chefe do Estado-Maior, Erich Ludendorff, que deu mostras de «panache» em Liège. Ludendorff, apesar de muito competente, os elogios subiam-lhe facilmente à cabeça, perdendo muitas vezes o sentido das proporções; mas estava ali Hindenburg para, como muitas vezes dizia, por o «pé no travão», pois não servia para mais nada, para além de uma simples «figura decorativa», embora a história viesse a provar que não era mesmo assim, quanto a este radical conservador, futuro presidente da República de Weimar.
Com esta nova dupla alemã, as coisas não iriam correr tanto de feição para os russos.
A 24 de agosto, os alemães preparam uma armadilha aos exércitos russos. E, a 28 do mesmo mês, os russos rendem-se aos magotes. Além do elevado número de mortos, pensa-se em 32 000, caíram em poder dos alemães 92 000 foram apreendidos 500 canhões. Foi uma enorme derrocada, a mais espetacular da guerra, tornando-se lendária a aldeia que deu nome à batalha - Tannenberg. O general do exército russo - Samsonov - suicidou-se. A Batalha de Tannenberg tornou-se um motivo de orgulho alemão. E Hindenburg-Ludendorff daí obtiveram uma reputação que perdurou muito mais tempo para além da guerra.
A 7 de setembro, o 8º exército lança um ataque, dando-se início à Batalha dos Lagos da Masúria. Apesar dos esforços para cercar as tropas de Rennenkampf, este conseguiu, habilmente, levar as suas unidades a barrar eixos da manobra alrmã e conduzir, com êxito, um combate em retirada. A 25 do mesmo mês, o exército russo retomou a ofensiva, fazendo recuar o 8º exército alemão para a Prússia, recuperando grande parte do terreno cedido em agosto.
b).- Galícia e Polónia
Mas os russos com os austro-húngaros saíram-se bem, no sul da Polónia e na Ucrânia Ocidental.
Enquanto o 10º exército permaneceu empenhado contra o 8º alemão, por essa altura, ao 1º exército era atribuída a frente sul da Polónia e Galícia. Até ao final de 1914, o 10 exército manteria a posse da faixa de território prussiano recuperado em setembro.
Apesar da vontade do nosso já célebre Conrad (Franz Conrad von Hötzendorf) se atirar contra a Sérvia, Viena sabia que o combate principal que teria de enfrentar era com a Rússia. Como aspiravam a uma rápida vitória, o planeamento das operações, nos dois estados-maiores fez-se em termos ofensivos. No início ainda surtiu algum efeito, principalmente com a sua ala esquerda, todavia a operação na Galícia e Polónia foi um desastre. Da parte do exército austro-húngaro, houve 130 000 baixas, entre mortos e feridos, e cerca de 300 000 prisioneiros deixados nas mãos dos russos. Franz Conrad von Hötzendorf não teve outro remédio senão ordenar a retirada para as encostas setentrionais dos Cárpatos. E Berlim via o comportamento do exército austro-húngaro com alguma preocupação.
Com Falkenhayn já como comandante das tropas Alemãs, substituindo, Moltke, o Jovem, face ao fracasso a Ocidente, constituiu um novo exército - o 9º -, com Hindenburg e Ludendorff à sua frente - para colmatar a brecha criada entre o 8º exército e a linha defensiva austro-húngara. Os efetivos a leste, nesta altura, não eram nada inferiores aos do Ocidente. E o teatro de operações quer na Polónia quer na Prússia Oriental oferecia, comparativamente, muito mais espaço do que o existente em França. Nestes termos o conflito ia prosseguir segundo os princípios da guerra de movimento.
Os alemães, depois de conversações com os austro-húngaros, decidiram que o 9º exército, logo que pronto, atacaria na direção de Varsóvia, o que era uma opção arriscada. Mas os sucessos de agosto não metiam medo.
c).- Cárpatos
Os russos, por seu lado, reforçavam as suas tropas. E os serviços de informações alemães não estavam ao par disto. Desta feita, o alto-comando russo, liderado pelo grão-duque Nicolau, dispunha, agora, de um volume de forças totalizando - só na frente compreendida entre Varsóvia e Przemysl - 55 divisões de infantaria, a que se opunham apenas 13 alemãs e 31 austro-húngaras. O grão -duque Nicolau sentindo que no flanco dos Cárpatos o exército austro-húngaro lhe parecia incapaz de constituir uma ameaça, planeou uma resposta do seguinte modo: num primeiro tempo, o 4º e 9º exército iriam de Varsóvia aos encontro das tropas alemãs, procurando travá-las; num segundo momento, o 1º, 2º e 5º exército, num rápido movimento de envolvimento, atacariam, a varrer, os flancos do 9º exército alemão.
Havia de ambos os lados intenção de travar uma batalha ofensiva.
A 28 de setembro, os germânicos iniciavam a sua ofensiva, progredindo para oeste do rio Vístula, não encontrando qualquer obstáculo de monta. A 5 de outubro, a generalidade das unidades alemãs aproxima-se das margens do Vístula, dando conta que, do outro lado do rio, lhe espera um forte dispositivo russo. E retêm-se até que a ofensiva austro-húngara lograsse vencer a oposição russa. Os austro-húngaros não estavam de modo a poderem prestar aos alemães o apoio tática que se lhes exigia. E os russos acabam mesmo por passar para a margem esquerda do Vístula. Perante tal manobra, o comando do 9º exército, não tendo ilusões quanto ao insucesso da operação ofensiva, retiraram-se, destruindo a rede ferroviária à retaguarda, numa profundidade de 150 Km, de modo a não ser utilizada pelos russos.
A Batalha de Varsóvia (ou batalha do rio Vístula), embora tenha sido uma irrefutável vitória do exército russo, não viu concretizada a 2ª fase do seu plano de operações, que apontava para o aniquilamento do inimigo através de um ataque ao seu flanco sul. A prudente retirada alemã inviabilizou a operação.
A 20 de novembro, no setor dos Cárpatos, o general Busilov, comandante do 8º exército russo, conseguiu conquistar a garganta de Lupkow, abrindo uma passagem que lhe permitia descer para a grande planície húngara e marchar sobre Budapeste. As hesitações dos russos permitiram aos austro-húngaros explorar a debilidade do dispositivo inimigo, permitindo a recuperação da garganta de Lupkow e com posições firmes na encosta setentrional dos Cárpatos.
Estava determinado o padrão da guerra: a oeste, um impasse; a este, uma crise austro-húngara, mais ou menos permanente.
Quer na frente leste, quer na frente oeste, ficou claro que as tropas que atacassem frontalmente, seriam recebidas por uma saraivada de projéteis de artilharia e de armas de infantaria, a partir de posições escavadas no terreno, com as quais os canhões não podiam lidar facilmente, mas que em ofensivas ou contra-ataques podiam causar muita mossa.
Ao terminar o ano de 1914, os números da guerra já eram arrepiantes. Um excelente jornalista russo, chamado Leon Trostsky, escrevia nessa altura ”«agora vem uma guerra e mostra-nos que ainda caminhamos sobre quatro patas sem sair do estado bárbaro da nossa história. Aprendemos a usar os suspensórios, a escrever editoriais inteligentes e a fabricar chocolate com leite, mas quando temos de decidir seriamente uma questão relativa à coexistência de umas quantas tribos numa rica península da Europa, sentimo-nos impotentes para encontrar outra via que não seja uma mútua carnificina generalizada»” (Canal da História, 2013: 108).