A GRANDE GUERRA (1914-1918)
E A PARTICIPAÇÃO DOS MILITARES DO RI 19 E DO ALTO TÂMEGA NO CONFLITO
PRIMEIRA PARTE
CONTEXTO INTERNACIONAL
(DA PLACIDEZ TECTÓNICA AO MOVIMENTO DAS PLACAS)
V
AS FRENTES DE COMBATE
(OU AS GRANDES ONDAS DE CHOQUE)
7.- Frente do Sudeste Europeu e Médio Oriente
7.1.- Turquia e Sudeste Europeu
b).- Objetivo Dardanelos
A Royal Navy britânica, em janeiro de 1915, dava um claro apoio à ideia de uma expedição contra os estreitos turcos no Dardanelos. Winston Churchill era um dos mais firmes partidários da ação. Joffre, em França, na sua obsessão nacionalista da ofensiva a todo o custo, via na expedição uma forma de enfraquecer a vertente ocidental. Era, pois, contra, com firmeza. Reunião e mais reunião, até que lá se acabou por chegar a um consenso entre políticos e militares: a operação, que implicava abrir uma outra frente no sudeste europeu, ia ser levada a cabo.
A ação preparatória de bombardeamento da costa pela esquadra aliada teve um efeito muito aquém do esperado. Os Royal Marines (Fuzileiros Navais), a 4 de março de 1915, desembarcaram junto a Kum Kale e foram recebidos com intenso fogo de artilharia turca. Perante o desaire desta primeira operação anfíbia, os Aliados redobraram os cuidados e planearam nova ação para 18 de março, reunindo uma esquadra de 16 couraçados e cruzadores pesados - 12 britânicos e 4 franceses -, “precedidos por draga-minas e acompanhados de uma forte escolta de cruzadores ligeiros e destroyers, sob o comando do almirante Carden. Na longa história dos Dardanelos, jamais se vira uma esquadra com tanta riqueza de meios” (Afonso; Gomes, 2013: 184). Esta esquadra era integrada por uma força anfíbia Aliada - a Força Expedicionária do Mediterrâneo (FEM) -, composta por 5 divisões (duas britânicas, uma francesa e o Corpo Expedicionário Australiano-Neozelandês, a duas divisões), sob o comando do general Sir Ian Hamilton.
A operação de bombardeamento preparatório teve um início auspicioso, provocando grandes danos no dispositivo defensivo turco. Ao início da tarde, todavia, cerca de um terço dos couraçados foram postos fora de combate pela ação combinada da artilharia inimiga e do rebentamento de minas não neutralizadas pelo draga-minas. Estes, por seu turno, sofreram também graves perdas, revelando-se incapazes de cumprir a sua missão de desobstrução do estrito.
Ao fim do dia 18, o almirante Robek, que substituía Carden, ordenou a retirada da esquadra. A 22 de março, Robek e Hamilton chegaram à conclusão de que não se encontravam reunidas as condições para novo ataque aos Dardanelos. E concluíam que tal só seria possível com a participação inicial de uma forte componente terrestre que, neutralizando a artilharia móvel do exército turco, abrisse caminho aos navios - e não ao inverso, como havia sido inicialmente planeado.
c).- Galípoli
Neste novo plano, 25 de Abril de 1915 foi a data para o início da operação, que tinha por base a ilha de Lemnos, situada a pouco mais de 60 Km da entrada dos Dardanelos.
Segundo David Martelo, o planeamento da operação foi um surpreendente exemplo de improvisação, tanto mais indesculpável quanto era seguro que o ataque não apanharia de surpresa os defensores. Depois, os efetivos de 5 divisões era insuficiente para levar a cabo, e de vencida, a oposição turca. Por fim, no capítulo das informações, pouco se sabia acerca do inimigo - condição essencial para o êxito de qualquer ação ofensiva.
O comandante do FEM tentou adivinhar quais os lugares onde o desembarque teria menor oposição, escolhendo como objetivo principal a península de Galípoli. Com intenso fogo naval, a operação iniciou-se pelas 5 horas da manhã do já citado 25 de Abril de 1915. Certamente devido a erro humano, o Corpo do Exército (CE) australiano-neozelandês (ANZAC) - a quem cabia o ataque secundário - desembarcou cerca de uma milha a norte da praia prevista. A ausência imediata de oposição resultava da própria natureza do terreno, diz David Martelo, porque extremamente ravinoso e nada propício para uma rápida progressão para posições dominantes. Mas foi só o tempo de os turcos recomporem o seu dispositivo. Ao início da tarde, as tropas da ANZAC já estavam debaixo de intensos fogos dos defensores.
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Próximo do Cabo Helles, na extremidade sul da península, a 29ª divisão britânica desembarcou em cinco praias designadas pelas letras S V W X Y. Nas praias S X e Y a força britânica não encontrou oposição digna de registo e, rapidamente, consolidou posições. Já o mesmo não se passou nas praias V e W, localizadas exatamente na extremidade da península. Aí as unidades atacantes foram alvejadas por nutrido fogo de espingarda e metralhadora, logo que as embarcações se aproximavam 100 metros da terra. Mesmo assim, a maior parte das tropas concluiu o desembarque, embora contabilizando pesadas baixas. Ao chegarem às praias, no entanto, encontraram-nas vedadas por fiadas de arame farpado, atrás das quais a infantaria turca, protegida por trincheiras, fazia fogo como se estivesse numa carreira de tiro. Logo nos primeiros instantes as baixas nas unidades desembarcadas atingiram as centenas. Nesta crítica situação, a superior qualidade das tropas profissionais britânicas permitiu criar uma brecha na rede de arame farpado, irromper pelo dispositivo turco e acabar por consolidar uma cabeça-de-ponte.
Enquanto isso, a divisão francesa, que desembarcou na parte continental da Turquia, conquistou, sem grande dificuldade, o forte de Kum Kale, fazendo centenas de prisioneiros.
A pouco e pouco, os Aliados começaram a perceber-se que, apesar da eficaz resistência dos turcos, era reduzido o seu potencial de combate na extremidade da península. A maior parte dos núcleos de resistência era de efetivo companhia (150 homens) e alguns não ultrapassavam a de pelotão reforçado (50 homens). No total, só uma divisão - a 9ª - se encontrava na extremidade sul da península.
c.a).- Contra-ataque turco à ANZAC
Em estreita ligação com os alemães, era um general germânico, Liman von Sanders - que comandava superiormente o exército turco, mais a norte. Os turcos mantinham outras unidades em condições de intervir. A 19ª divisão, comandada por um jovem general, de 34 anos, Mustafá Kemal - elemento destacado do movimento Jovens Turcos, e futuro líder da República turca (1923) -, com grande habilidade, tomou conta das posições elevadas no terreno elevado, que constituía o objetivo ANZAC. Quando as tropas da ANZAC, comandadas pelo general Wiliam Birdwood, se aproximaram, foram violentamente atacadas, sofrendo baixas de vulto. As tropas ANZAC bateram-se com extraordinária tenacidade, sobretudo atendendo à posição de inferioridade que o terreno lhes conferia. A partir dos primeiros combates, estabeleceu-se um movimento constante de sobe-e-desce entre a cabeça do dispositivo e a praia: de cima para baixo, para evacuação de feridos; de baixo para cima, para envio de tropas frescas. A 4 de maio, o setor que opunha a divisão Kemal à ANZAC, as perdas atingiram 12 000, entre defensores e 10 000, entre os atacantes. Não conseguindo repelir para o mar o adversário, com tamanha capacidade de sofrimento, Kemal ordenou às suas tropas que cavassem trincheiras, formando uma linha defensiva que aumentava as vantagens que o terreno lhes concedia.
c.b).- Retirada de Galípoli
A partir de Cabo Helles e progredindo para norte da península, foram levadas a cabo sucessivas tentativas para penetrar e romper os dispositivos turcos na península de Galípoli. Sem sucesso.
Para tentar sair do impasse, o general Hamilton preparou uma nova ação anfíbia com unidades entretanto concentradas em Lemnos. A 7 de agosto, novo desembarque, na costa ocidental da península, na baía de Sulva. Kemal, reposicionando as tropas, imobiliza as forças aliadas. E Sulva transforma-se no 3º enclave aliado na península.
Diz Martin Gilbert: “Entre os soldados mortos na Baía Suvla, estava o primeiro cidadão da Terra Nova a ser morto em combate na Primeira Grande Guerra Mundial. O mais recente historiador da contribuição dos cidadãos da Terra Nova, escreveu: «O soldado David McWhirter não fez nenhum ataque corajoso. Não pronunciou nenhumas belas palavras finais. Muito simplesmente ali estava, ensurdecido pelo ruído das explosões de artilharia - um rapaz aterrorizado num uniforme que não lhe servia numa trincheira da Frente perto da colina de Karokol Dagh. De repente, vindo de lado nenhum, foi feito em pedaços vermelhos de caqui e carne por um projétil turco. De súbito, tinha partido, e os que estavam atrás dele na estreita trincheira ficaram atordoados. Cheios de estilhaços de metralha, sujidade e intestinos, ficaram a saber o que ia ser esta guerra»”(Gilbert, 2007: 288).
Em dezembro de 1915, perante a inutilidade do sacrifício aliado, decide-se dar por terminada a operação e consequente saída das tropas de Galípoli. A saída realizou-se sem que os turcos dessem conta da retirada. Daí que a evacuação se fizesse sem problemas de maior, mesmo as que estavam situadas nas cabeças-de-ponte. Resultado da operação: 265 000 baixas, do lado dos Aliados; 300 000 do lado turco. Para os Aliados, esta manobra de diversão foi um verdadeiro fiasco, com pesadas baixas. Winston Churchill tirou daí as respetivas conclusões, demitindo-se do comando do Almirantado.
c.c).- Galípoli e o 25 de Abril de 1915
Galípoli marcou particularmente a história da Austrália. O aniversário do desembarque da ANZAC continua a ser celebrado, anualmente, com a veneração própria das datas sagradas de uma nação. O local de desembarque - batizado pelos australianos como a Enseada da ANZAC - é o lugar de peregrinação dos descendentes dos combatentes que, todos os anos, atravessam meio mundo para visitar o local onde os seus antepassados se bateram e morreram.
Mustafá Kemal, já presidente da República, transformou a península num Parque Nacional, erigindo no local um monumento evocativo do martírio de todos o combatentes.
c.d).- Conclusões a tirar e especulações
Estrategicamente as consequências do insucesso foram enormes, em termos de luta e competição nesta frente, alastrando o conflito para o Médio Oriente, como de seguida vamos abordar.
Grande parte das especulações que se fizeram posteriormente assenta nas hipotéticas explicações que o êxito desta operação teria para os Aliados no desenrolar da guerra. Em primeiro lugar, a importância da ajuda em material de guerra a prestar à Rússia. Em segundo lugar, uma Rússia revigorada, vitoriosa sobre os Impérios Centrais, consequentemente inviabilizaria a eclosão da revolução bolchevique de 1917. Assim, claro, a história do século XX seria reescrita de outra forma, sendo substancialmente diferente.
Só que uma coisa é «se fosse»; outra é «o que foi»!
Neste episódio, que representa a capacidade e a enorme força dos homens e mulheres de três povos para se afirmarem como nações - Turcos, Australianos e Neozelandeses - digno de uma história de bravos e heróis que lutaram determinados por uma causa que os elevou ao Olimpo, tornando-os objeto de veneração nacional de todos os seus concidadãos, há também, e infelizmente, a registar o massacre do pacífico e infeliz povo arménio, nas mãos dos Jovens Turcos. Uma história triste e trágica que não cabe aqui contar. Mas que urje, e é fundamental frisar que, tal como uma moeda tem duas faces, a História, digna desse nome, deve exibir, para uma correta e adequada leitura, todas as faces que contém. Sem esta postura - de total abertura e isenção - não há História. Simplesmente uma farsa! Que impede a progressão da Humanidade.