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30
Abr15

Grande Guerra (1914-1918) - 9

 

 

A GRANDE GUERRA (1914-1918)

E A PARTICIPAÇÃO DOS MILITARES DO RI 19 E DO ALTO TÂMEGA NO CONFLITO

 

PRIMEIRA PARTE

CONTEXTO INTERNACIONAL

(DA PLACIDEZ TECTÓNICA AO MOVIMENTO DAS PLACAS)

 

 

II

A CORRIDA ÀS ALIANÇAS E OS FATORES DE PERTURBAÇÃO DO SUL DA EUROPA

 

 

3.- Fatores de perturbação no sul da Europa

3.1.- Problemas decorrentes da corrida naval no sul da Europa

Foi neste capítulo que a diplomacia e as «habilidades» da Grã-Bretanha foram mais postas à prova, exigindo-lhe maior empenhamento. Vejamos porquê.

Eram, como vimos, cada vez mais crescentes, a partir de 1898, as preocupações do Reino Unido face às ambições navais do «impulsivo» kaiser Guilherme II e o seu «ambicioso» e incentivador Almirante Tirpitz.

Lovis-Corinth-Portrait-of-Admiral-Alfred-von-Tirpi

(Almirante Albert von Tirpitz)

Obviamente o que a Alemanha pretendia era avançar com a construção de uma marinha de alto mar que, a breve trecho, pusesse em causa a hegemonia naval britânica - a base do seu poder global.

A Grã-Bretanha não podia aceitar esta situação. Tinha de reagir pronta e fortemente.

Diz António José Telo que a “primeira preocupação do governo de Sua Majestade foi a de saber se esse desafio era para levar a sério, ou seja, se a Alemanha, que contava com uma marinha reduzida em 1898, podia efetivamente colocar em causa o poder marítimo militar britânico” (Telo, n.d.: 15).

A pergunta era simples: a partir de quando constitui a marinha alemã um perigo efetivo?

E a resposta foi pronta, imediata, e clara: “se os planos navais alemães se concretizarem, a hegemonia naval britânica estará assegurada ainda por 16 anos (ou seja, até 1914), mas, depois disso, tudo pode acontecer” (Telo, n.d.: 15).

Face a esta situação tão clara, qual foi a estratégia britânica? “Até 1914 podemos e devemos tentar o entendimento com a Alemanha, com concessões que a levem a desistir do seu programa naval; se isso não for possível, então é preferível ir para a guerra quando a nossa hegemonia naval ainda for clara e forte, ou seja, tendo como limite o ano de 1914” (Telo, n.d: 15).

Segundo A. J.Telo, “é esta resposta, muito simples, mas absolutamente decisiva, que está na base de toda a grande política britânica de 1898. É uma política dupla, aparentemente contraditória, na realidade muito lúcida” (Telo, n.d.: 16).

Londres, a partir de 1898, em negociações e contactos com a Alemanha, vai-lhe acenando coisas considerados não fundamentais, tentando obter em troca o compromisso de acabar com a corrida naval.

Quais são as questões negociáveis e não negociáveis para a Inglaterra nas relações e negociações com a Alemanha.

A.- Questões não negociáveis

Fundamentalmente impedir que a Alemanha obtenha portos no Atlântico fora do mar do Norte. Como muito bem diz Telo, (in ob. cit.), o grande problema estratégico naval da Alemanha é que tinha a sua marinha contida em dois pequenos mares regionais (o Báltico e o mar do Norte), não podendo passar para o oceano sem antes enfrentar a Royal Navy, que sairia a barrar-lhe o caminho.

Coisa diferente era se a Alemanha conseguisse um porto nas ilhas Atlânticas ou em Marrocos. Desta feita, tudo mudava e a equação do poder naval seria muito mais complicada. Dai que a preocupação da Inglaterra para com Portugal e a Espanha residia nos Açores, Madeira e Cabo Verde e nas Canárias, respetivamente.

A Inglaterra tudo fez para obter, quer de Portugal quer da Espanha, a garantia de que não seria feita qualquer concessão com significado estratégico, em qualquer dos seus portos, sem prévio consentimento de Londres. Quer Lisboa, quer Madrid, responderam afirmativamente. E veja-se só: esta garantia, secreta, foi de tal modo importante, que se manteve, no que concerne a Portugal, um dos poucos segredos mais bem guardados da política portuguesa, desconhecidos da opinião pública até muito depois da Grande Guerra (Telo, n.d. e 2010).

De 1898 a 1916, afirma A.J.Telo, “formaram-se dezenas de governos, tanto da Monarquia como da República, dos mais diversos partidos e, sempre que um governo se formava, logo o representante de Sua Majestade pedia uma audiência ao novo Ministro dos Negócios Estrangeiros para renovação das garantias secretas” (Telo, n.d.: 16). E todos os governos responderam afirmativamente. Formidável!

No âmbito das questões também não negociáveis estão as Crises de Marrocos. Ainda segundo António José Telo, “por três vezes a Alemanha tenta a sua sorte em Marrocos, e por três vezes tem de recuar perante o forte entendimento entre o Reino Unido, a França, a Rússia e a Espanha, com o apoio de Portugal. Marrocos acabará por ser dividido, mas somente entre a França, que fica com a maior parte, e a Espanha, sem qualquer fatia para a Alemanha” (Telo, n.d.: 23).

Estas crises em Marrocos foram um fator importante para a consolidação da Entente, como entendimento formal, prevendo uma estratégia militar em caso de guerra.

B.- Questões negociáveis

No que concerne particularmente a Portugal:

  • A primeira convenção secreta para uma eventual divisão das colónias portuguesas é assinada em 1898. Mas esta convenção é anulada mediante o acordo secreto respeitante aos Açores, Madeira e Cabo Verde, que já acima falámos. O que a Inglaterra consegue, muito habilmente com a Alemanha, é a sua postura de neutralidade estrita quanto à questão relacionada com a guerra bóer;
  • A segunda convenção secreta, entre a Alemanha e a Grã-Bretanha, para uma eventual divisão das colónias portuguesas, em 1912-1913. A recente República Portuguesa conhece o documento secreto e teme o pior. O acordo não se concretiza porque, manifestamente, a Alemanha não desiste da corrida naval.

Estamos de acordo com Telo e Martelo quando afirmam que foi a política de expansão naval Alemã e a consequente obtenção de um porto Atlântico fora do Mar do Norte que mais lançou Londres e Paris, juntamente com a Rússia, nos braços uns dos outros, dando fim ao célebre «conserto das nações», pela criação da Entente Cordiale.

Perfilhamos a posição de A. J. Telo quando diz que a Alemanha não percebeu, ou conseguiu entender “que havia uma linha na areia, um ponto para além do qual Londres preferia ir para a guerra do que continuar a fazer cedências” (Telo, n.d.: 17). Porque esta questão, para o Reino Unido, era o seu ponto vital!...

30
Abr15

Poesia e Fotografia 72

 

 

POESIA E FOTOGRAFIA

 

POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA

 

PAPOILA

 

Não a façam sofrer.

Não olhem a nudez da sua cor.

Se a quiserem ver

Adivinhem de longe o seu pudor.

 

Olhos nos olhos, não:

Cora, descora, agita-se de medo,

E é toda o desespero e a solidão

De ter na própria vida o seu degredo.

 

É uma donzela que não quer casar.

Veio ao mundo viver

A beleza gratuita de passar

Sem nenhuma paixão a conhecer.

 

Coimbra, 24 de Março de 1943

2015 - Flores Páscoa Vila Nova (8).jpg

27
Abr15

Grande Guerra (1914-1918) - 8

 

 

A GRANDE GUERRA (1914-1918)

E A PARTICIPAÇÃO DOS MILITARES DO RI 19 E DO ALTO TÂMEGA NO CONFLITO

 

PRIMEIRA PARTE

CONTEXTO INTERNACIONAL

(DA PLACIDEZ TECTÓNICA AO MOVIMENTO DAS PLACAS)

 

 

II

A CORRIDA ÀS ALIANÇAS E OS FATORES DE PERTURBAÇÃO DO SUL DA EUROPA

 

2.2.- A Entente Cordiale

A não revalidação do Tratado de Ressegurança entre a Alemanha e a Rússia abriu portas a uma ligação de carácter formal, embora parecesse altamente improvável, entre o regime republicano francês, dito de vanguarda, e uma monarquia absolutista. Mas na diplomacia e na política, nem tudo o que parece é.

Em 23 de julho de 1891, uma esquadra francesa foi recebida com todas as honras no porto de Kronstadt pelo próprio czar. Em França foi o júbilo, erguendo-se um inflamado patriotismo. Era a saída do isolamento internacional da III República Francesa, com a oportunidade de arquitetar o seu sistema de alianças. Aqui não devemos, obviamente, neste feito, menosprezar o apoio das instituições financeiras francesas à construção do caminho-de-ferro transiberiano, como é evidente.

Em 1892, é celebrado entre os dois países um tratado de auxílio mútuo militar, o qual, na sua cláusula principal, estabelecia um compromisso que iria ter “um peso tremendo no processo de declaração de guerra em 1914” (Martelo, 2013: 122). Segundo essa cláusula, «se a França fosse atacada pela Alemanha ou pela Itália, apoiada pela Alemanha, a Rússia empregaria todos as forças disponíveis para atacar a Alemanha; se a Rússia fosse atacada pela Alemanha, ou pela Áustria apoiada pela Alemanha, a França empregaria todas as suas forças disponíveis para atacar a Alemanha».

Em 4 de janeiro de 1894, os dois governos aceitaram formalmente a aliança, a qual será conservada no maior secretismo. E teria a mesma duração da Tripla Aliança.

Estava a «armadilha» montada...

Com esta aliança, a Alemanha já não podia aspirar a uma guerra numa só frente, como tão obstinadamente Bismarck procurara. Com Bismarck fora da chancelaria e um novo kaiser, o sistema pelo qual a Alemanha gerira os assuntos europeus chegara ao seu termo. Inicia-se uma nova era.

Vejamos o «desabafo» do kaiser, Guilherme II junto do seu primo czar Nicolau II (Nicky): “Não é a amizade da França e da Rússia que me perturba, mas sim o perigo para o nosso princípio de monarquismo de estar a colocar a República no pedestal. O constante aparecimento de príncipes, grão-duques, etc., em paradas, funerais, jantares, corridas, juntamente com figuras de topo da República, faz com que os republicanos se julguem perfeitamente honestos, excelentes pessoas, com quem os príncipes devem conviver e sentir-se como em sua casa. Os republicanos são revolucionário de natura. A República Francesa provém da fonte da Grande Revolução e propaga as suas ideias. O sangue das Suas Majestades ainda está nesse país. Desde então, alguma vez voltaram a ser felizes ou ter paz? Não foram de banho de sangue em banho de sangue e de guerra em guerra até mergulharem toda a Europa e a Rússia num mar de sangue? Nicky, acredita em mim, a maldição de Deus abateu-se, para todo o sempre, sobre aquele povo. Nós, Reis e Imperadores cristãos, temos o sagrado dever, que nos foi imposto pelo Céu, de sustentar o princípio von Gottes Gnaden (pela Graça de Deus). Podemos ter boas relações com a República. Mas nunca intimidade!” (Martelo, 2013: 124).

Que tamanho proselitismo; que desabafo tão irónico. Mas os tempos eram marcados por esta mentalidade...

T. Delcassé, ao tomar posse como Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Francesa, em 1898, tinha ideias muito claras quanto à política externa da República. Segundo ele, porque a Alsácia e a Lorena estavam na posse da Alemanha, o inimigo da França estava definido.

Assim, o relacionamento amistoso (e o apoio financeiro) à Rússia, potência confinante com o leste da Alemanha, era a peça essencial de qualquer projeto destinado a recuperar os territórios perdidos em 1871. Por isso o vemos em S. Petersburgo, em 1899, em visita oficial, ao encontro do czar, com vista ao reforço dos acordos selados em 1892 e 1894; por isso, na Exposição Universal de Paris de 1900, o lugar de maior destaque é dado aos pavilhões russos bem assim, nessa mesma altura, o Presidente da República E. Loubet inaugura a ponte com o nome do czar Alexandre III, sobre o rio Sena, em Paris.

A Grã-Bretanha começava a «trincar os lábios» - porque não lhe saía da cabeça aquele pavilhão alemão na Exposição de Paris. Mas, por algum tempo mais, continuaria, usando habilmente a sua diplomacia, vivendo no seu «esplendoroso isolamento».

Mas, tal como as coisas iam correndo, não por muito mais tempo...

A Grã-Bretanha, na qualidade de primeira potência mundial (assim era considerada) sentia-se, apesar de algumas nuvens carregadas, vocacionada para assumir compromissos com alguma ou algumas potências. Mas sentia que a sua velha política do «esplêndido isolamento» estava a chegar ao fim.

O seu ministro das Colónias J. Chamberlain, em 1898, afirmava: “«Todos os Estados poderosos da Europa concretizaram alianças, e, enquanto nos mantivemos de fora dessas alianças, enquanto fomos invejados por todos, enquanto tivemos interesses que, numa ocasião ou noutra, conflituam com os interesses de todos, é provável que sejamos confrontados, a qualquer momento, com uma combinação de Grandes Potências de tal modo poderosa que nem mesmo o mais descomedido e impetuoso político seria capaz de contemplar sem um certo sentimento de apreensão»” (Martelo, 2013: 125).

E não foi necessário muito tempo para que a evolução dos acontecimentos viesse dar razão a Chamberlain.

A Alemanha de Guilherme II ia marcando pontos sensíveis para o império britânico, nomeadamente na Turquia e em pontos nevrálgicos respeitantes à rota para a Índia, através do Suez. Talvez fosse agora o momento oportuno para Londres se convencer a abandonar a sua obstinada política de isolamento.

No novo governo, que entretanto se formou, em 1902, a pasta dos Negócios Estrangeiros ficou entregue a Lord Lansdowne que, contrariamente aos seus antecessores, estava disponível a uma maior aproximação à política continental, designadamente com o poderoso vizinho francês.

Após um bem recebido acolhimento do Rei Eduardo VII em Paris, os franceses não demoraram a mostrarem-se sensibilizados com o discurso ali proferido pelo rei inglês. Graças ao trabalho do hábil e astuto embaixador de França em Londres, Paul Cambon, o Presidente Francês, E. Loubet, acompanhado de Delcassé, visitou Londres, em mais uma jornada de conversações bilaterais, designadamente no tocante às pretensões de ambos no que respeitava aos países do norte de África.

Em 9 de abril de 1904, acertadas todas as divergências anteriores, em matéria de expansão colonial, os dois governos assinam o acordo que ficaria conhecido como Entendimento Cordial. Não se tratava, ainda, de uma aliança para fins de segurança mútua. Era, antes de tudo, uma declaração pública de futura cooperação, baseada na circunstância de terem sido resolvidos, a contento das partes, os principais diferendos entre os dois países (Martelo, 2013).

No final de 1905, instalava-se no governo britânico uma maior convicção de que havia uma maior utilidade em prosseguir a política de colaboração com as potências continentais que poderiam opor-se à Alemanha. Esta nova postura foi liderada por Sir Edward Grey, Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo liberal, constituído em dezembro de 1905.

Grey entendia, mesmo inexistindo uma aliança formal, que se criara uma espécie de ligação moral com a França, que importaria ter em conta. Em fevereiro de 1906, escrevia: “Se houver uma guerra entre a França e a Alemanha, será muito difícil para nós ficarmos de fora. O Entendimento, e ainda mais, as constantes e enfáticas demonstrações de estima (oficiais, navais, políticas, comerciais e na imprensa) criaram em França a crença de que os apoiaremos na guerra... Se esta expectativa redundar num desapontamento, os franceses nunca mais nos perdoarão. Penso também que haverá um sentimento generalizado de que nos teríamos portado mal e deixado a França em apuros... Por outro lado, a perspetiva de uma guerra europeia e a ideia de nela nos vermos envolvidos é horrível” (Martelo, 2013: 128).

Figura 7.jpg

A Conferência sobre Marrocos, realizada em Algeciras, em janeiro de 1906, permitiu, pelas razões que de seguida iremos expor, na Segunda Parte, uma notória conjugação de esforços entre a França e a Grã-Bretanha para que o Entendimento Cordial, estabelecido em 1904, fosse consolidado, e com grande expectativa de eficácia, face aos interesses vitais (como potência naval) da Grã-Bretanha, agora postos em jogo pelos apetites navais alemães.

27
Abr15

Poesia e Fotografia 71

 

 

POESIA E FOTOGRAFIA

 

POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA

 

CONDIÇÃO

 

É de pedra esta triste melodia

Onde rasgo o volume do meu canto;

É dum granito negro que vigia

A pureza maciça do meu pranto.

 

Dura,

Solitária e cerrada,

Tem beleza e ternura,

Mas é fraga pisada...

 

Fraga velha e batida

Pela dor dos almocreves e carreiros,

Só nela eu posso eternizar a vida,

Minha e dos meus companheiros...

 

Coimbra, 20 de Março de 1943

2015 - Santa Isabel (Loureiro)-S. Gonçalo (Penagu

27
Abr15

Grande Guerra (1914-1918) - 7

 

 

A GRANDE GUERRA (1914-1918)

E A PARTICIPAÇÃO DOS MILITARES DO RI 19 E DO ALTO TÂMEGA NO CONFLITO

 

PRIMEIRA PARTE

CONTEXTO INTERNACIONAL

(DA PLACIDEZ TECTÓNICA AO MOVIMENTO DAS PLACAS)

 

 

II

A CORRIDA ÀS ALIANÇAS E OS FATORES DE PERTURBAÇÃO DO SUL DA EUROPA

 

 

O tempo em que a Alemanha deixou

a terra a um dos seus vizinhos,

o mar ao outro, e reservou para si o céu

onde reina a pura doutrina - esse tempo acabou.

 

Bernhard Bülow,

in Hewitson, Germany and the Causes,146-147,

(citado por MacMillan, 2014:133)

 

A corrida naval era o único desafio

que a Inglaterra não podia aceitar,

pelo que o objetivo principal das cedências

era levar a Alemanha a desistir da construção

de uma grande marinha oceânica.

 

António José Telo,

(in Afonso; Gomes, 2013: 194)

 

 

 

 

1.- O «concerto (europeu) das nações»

 

A partir do Congresso de Viena, em 1815, passou a existir, praticamente até ao fim do século XIX, na Europa continental, cinco grandes potências - França, Prússia, Áustria-Hungria, Rússia e Itália (depois da unificação). Estas potências mantinham entre si um equilíbrio relativo, mercê de constantes alianças e entendimentos, muitas vezes, frágeis e periclitantes. Mantiveram-se, contudo, como blocos permanentes.

Existia um outro poder europeu, mas diferente dos cinco restantes - a Grã-Bretanha. Segundo António José Telo (n.d.: 22) “o Reino Unido não mantinha qualquer aliança com outro grande poder - na realidade, a única aliança que tinha, que já vinha de 1373, com o Tratado de Windsor, era com Portugal, um pequeno poder nesta altura. Londres fazia entendimentos pontuais com um ou outro dos grandes poderes, em regra colocando o seu peso por detrás do mais fraco, de modo a manter o equilíbrio”.

O seu grande objetivo, que não era a «justiça», era que nenhum poder continental tentasse dominar os outros. Ou seja, sua política era «dividir para reinar». Mas sempre feita e aplicada com subtileza e arte.

Para a Grã-Bretanha, conquanto as potências continentais estivessem equilibradas, bem podia estar descansada na sua acolhedora casa de campo, fumando o seu fleumático charuto e contemplando a arte «adquirida» à custa da «conquista», que o seu império lhe facultava, vivendo no seu «esplêndido isolamento».

Sabia que, enquanto as outras potências se preocupavam pelas suas forças terrestres, “nenhuma teria recursos ou o desejo de colocar em causa o seu domínio dos oceanos” (Telo, n.d.: 22). Suas contas eram fáceis - enquanto as duas maiores potências, em conjunto, não ultrapassassem a capacidade da sua frota naval, não havia motivos para preocupações. Afirma António José Telo que, se porventura “um poder continental dominasse os outros, Londres não duvidava que ele, fosse qual fosse, procuraria em seguida construir uma marinha de alto mar que pusesse em causa o seu domínio nos mares, a única coisa que precisava ser defendida e preservada a qualquer custo” (Telo, n.d.: 22).

O «concerto (europeu) das nações» era, assim, o «sossego» da Grã-Bretanha. Ameaçado esse sossego, o concerto estava posto em causa.

A paz que a Europa viveu, de 1815 até 1914, assentava neste pilar fundamental.

 

2.- O começo do fim do «concerto (europeu) das nações» - As Alianças

2.1.- Tripla Aliança

Sucede que, com a Unificação da Alemanha, em 1871, depois da rotunda derrota da França em Sedan, com a anexação da Alsácia e parte da Lorena, surgiu no centro da Europa um grande e ameaçador poder - científico, tecnológico, económico, comercial e militar.

Não admira, pois, que a Alemanha começasse a queixar-se “de tudo, desde a falta de acesso a recursos vitais, até à falta de acesso aos oceanos, de colónias ou de espaço” (Telo, n.d.: 22).

Se bem que no tempo de Bismarck, após o Tratado de Francoforte, na sequência da vitória sobre a França, “a paz era um bem precioso que importava salvaguardar a todo o custo, [criando este estadista] “a impressão de que o equilíbrio europeu, a solução de diferendos e a paz continental passavam a ser intermediados pelo Império alemão [o que] em termos de prestígio, tratava-se de uma assinalável vitória para a nova potência da Europa central” (Martelo, 2013: 113-114), contudo, para Bismarck, conquistado o papel de intermediário europeu, achou chegado o momento de intervir diretamente em prole dos interesses do seu império.

Assim, em 1879, “em busca de algo mais sólido no capítulo da preservação da paz” (Afonso; Gomes, 2013: 114), julga ser chegada a hora de estabelecer uma sólida aliança com outra das grandes potências europeias.

Arredada, de momento, a França, face à memória fresca da anexação da Alsácia e parte da Lorena, suas preferências voltam-se para a Áustria-Hungria, seus vizinhos de língua alemã.

Apesar das reservas de kaiser Guilherme I, face a eventuais conflitos que, por via da Áustria, houvesse com a Rússia, Bismarck convocou o embaixador em Paris, príncipe Hohenlohe, o qual, em confidência com Friedrich von Holstein, mostrou não estar convencido da justeza de tal aliança. E, assim, o príncipe Hohenlohe dizia a seu amigo: “Em primeiro lugar, não confio na Áustria. Em segundo lugar, não considero que a Rússia seja realmente hostil. Finalmente, estou muito crente de que uma aliança austro-germânica irá provocar uma aliança franco-russa, e esta é sinónimo de guerra” (Martelo, 2013: 115).”

Mas, no dia seguinte, depois de se encontrar com Bismarck, Hohenlohe, segundo David Martelo, regista no seu diário: “Convenceu-me da necessidade [da aliança]. Afirma que a Áustria não pode por si só fazer frente às ameaças russas [face à miscelânea dos povos eslavos no seu império], pelo que buscará uma aliança com a Rússia ou com a França. Em qualquer dos casos, a Alemanha arriscar-se-á ao isolamento. O kaiser resiste [...], Bismarck ameaça demitir-se e o kaiser abdicar. Pediu-me para falar com o kaiser” (Martelo, 2013: 115)

Mas, finalmente, Guilherme I deu o seu assentimento a uma aliança defensiva com a Áustria-Hungria. Nascia, assim, o primeiro acordo defensivo de carácter permanente, celebrado em tempo de paz entre duas grandes potências desde os tempos do Antigo Regime. E havia a convicção que as diferentes ideologias entre a França e a Rússia seriam suficientemente dissuasoras de qualquer entendimento entre elas.

A Itália, temendo que a ambição da França no norte de África pusesse em risco a sua presença naquele continente, procurava aproximar-se da Alemanha.

“Bismarck, fiel à aliança com a Áustria, e sabendo das reivindicações italianas sobre o Alto Ádige, o Trentino e outros territórios banhados pelo Adriático, encaminhou as pretensões de aliança do governo de Roma para Viena” (Afonso; Gomes, 2013: 116). É, assim, neste contexto, que nasce o acordo designado por Tríplice Aliança, assinado a 20 de maio de 1882, pelo prazo de cinco anos.

E, por outro lado, diz David Metelo: “Como a geografia tem, frequentemente, uma importante palavra a dizer nas questões políticas, a Rússia acabaria por tomar a iniciativa de se aproximar dos dois impérios centrais, do que resultou a constituição, em junho de 1881, da Liga dos Três Imperadores, acordando-se que a mesma seria válida por três anos. A cláusula principal estipulava que cada um dos estados signatários adotaria uma neutralidade benévola se alguns dos outros dois entrasse em guerra com outra potência. Para Bismarck, a Liga afastava a hipótese de uma aliança entre a Rússia e a França e, consequentemente, o pesadelo de uma guerra em duas frentes” (Afonso; Gomes, 2013: 116).

Para Bismarck, o domínio britânico dos mares não representava uma ameaça para os interesses germânicos. Daí não ver a necessidade de criar uma marinha de guerra imperial. O papel marítimo da Grã-Bretanha à escala mundial era, para este estadista, visto como um fator de estabilidade.

A Grã-Bretanha estava, desta feita, descansada...

Quando o kaiser, Guilherme II, subiu ao poder, por morte de Guilherme I, Bismarck, o principal responsável pela criação da unificação alemã, é, por aquele, afastado.

 

Figura 5

 Bismarck, retirado para a sua residência próxima de Hamburgo, não deixou de acompanhar a política alemã e, a determinada altura, exterioriza o que sentia relativamente à política externa, entretanto seguida pelo kaiser, ao ponto de, nas páginas do jornal Hamburger Nachrichten expressar estas palavras que viriam a ser proféticas: “O que menos interessa à Alemanha é apoiar ambições da Áustria nos Balcãs [...] Seguindo o rumo que tem vindo a ser traçado, a Alemanha corre o risco de se tornar gradualmente dependente da Áustria e, no final, ter de pagar com o seu sangue e tesouro a política de Viena nos Balcãs” (Martelo, 2013: 120).

E aqui vem a propósito o que Margaret MacMillan diz sobre esta aliança e como os dirigentes alemães de altura gostavam de afirmar que a Alemanha ficava ao lado da sua aliada Áustria-Hungria com a lealdade digna dos Niebelungos. Só que “era uma escolha curiosa de uma metáfora que mostra um pouco as ambiguidades e tensões na Aliança Dual. Segundo o mito [...] os nobres guerreiros burgúndios da Idade Média morreram até ao último homem em consequência das intrigas entre duas mulheres” (MacMillan, 2014: 281). Corrobora-se aqui o ponto de vista de Bismarck.

Entretanto, o novo kaiser Guilherme II, na aproximação na renovação do Tratado de Ressegurança, de 1889, após a dissolução da Liga dos Três Imperadores, não manifesta intenção de o renovar.

Figura 6

Quando na Exposição Universal de 1900, em Paris, damo-nos conta do painel do pavilhão alemão com os dizeres «A estrela da Fortuna convida o homem corajoso a levantar âncora e partir à conquista das ondas», só os mais incautos é que não davam conta que algo, na política externa alemã, se estava a passar, mudando de rumo desde os tempos de Bismarck.

Com efeito, a influência do chanceler Bernhard Bülow, com a aproximação entre o kaiser e o obstinado Almirante Tirpitz, o «Mestre» ou o «Eterno», por sobreviver onde outros não sobreviviam (MacMillan, 2014: 145-146), a Alemanha mudou de rumo, à «conquista das ondas», do mar.

Era o por em prática a sonhada Weltpolitik.

E a Inglaterra começa a inquietar-se...

26
Abr15

Poesia e Fotografia 70

 

 

POESIA E FOTOGRAFIA

 

POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA

 

CHUVA

 

Chove uma grossa chuva inesperada,

Que a tarde não pediu mas agradece.

Chove na rua, já de si molhada

Duma vida que é chuva e não parece.

 

Chove, grossa e constante,

Uma paz que há-de ser

Uma gota invisível e distante

Na janela, a escorrer...

 

Coimbra, 14 de Março de 1943

03888_HD.jpg

 

26
Abr15

Grande Guerra (1914-1918) - 6

 

 

 

A GRANDE GUERRA (1914-1918)

E A PARTICIPAÇÃO DOS MILITARES DO RI 19 E DO ALTO TÂMEGA NO CONFLITO

 

PRIMEIRA PARTE

CONTEXTO INTERNACIONAL

(DA PLACIDEZ TECTÓNICA AO MOVIMENTO DAS PLACAS)

 

I

 

FIN DE SIÈCLE, DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO E FÉ NO PROGRESSO

Entrada da Exposição.jpg

(Exposição Universal de Paris 1900 - Entrada Principal) 

 

3.- Pavilhões das principais potências

Procuremos, numa breve descrição, apreender as suas respetivas ideias ou mensagens, quer implícitas, quer explicitas.

 

A.- Alemanha

 

Pavilhão alemão.jpg

(Exposição Universal de Paris 1900 - Pavilhão Alemão)  

“No cimo do Pavilhão da Alemanha via-se uma estátua de um mensageiro a tocar trombeta, talvez o símbolo adequado da mais recente potência europeia. No interior, encontra-se uma reprodução exata da biblioteca de Frederico, O Grande; demonstrando tato, os alemães não focaram as suas vitórias militares, muitas delas sobre a França” (MacMillan, 2013: 36) como a sua última alcançada em Sedan, de que resultou a perda à França da Alsácia e parte da Lorena. “A fachada ocidental sugeria, no entanto, uma nova rivalidade, que se estava a estabelecer entre a Alemanha e a maior potência naval do mundo, a Grã-Bretanha: um painel mostrava um mar tempestuoso, com sereias a cantarem, e tinha um lema que se dizia ter sido escrito pelo próprio governante alemão, o Kaiser Guilherme II - «A estrela da Fortuna convida o homem corajoso a levantar a âncora e partir à conquista das ondas»” (MacMillan, 2013: 36).

Manifestamente, uma aspiração a querer ser uma grande potência marítima e naval...

 

B.- Áustria-Hungria

 

Pavilhão da Áustria (Interior).jpg

(Exposição Universal de Paris 1900 - Interior do Pavilhão da Áustria)  

O país mais próximo e amigo da Alemanha na Europa, “tinha dois pavilhões separados, correspondendo, cada um deles, a metade, tal como se passava com a conhecida Monarquia Dual. O austríaco representava o triunfo da «arte nova», o novo estilo que estava a propagar-se pela Europa” (MacMillan, 2013: 36).

Ao lado do pavilhão austríaco, “separado deste pelo da Hungria, havia um mais pequeno, que representava a pequena província da Bósnia, que tecnicamente ainda fazia parte do Império Otomano, mas era administrado por Viena desde 1878. O pavilhão bósnio, com as suas belas decorações produzidas por artífices da sua capital, Sarajevo, parecia, como dizia o Guia Hachette, uma rapariga jovem a ser apresentada pela primeira vez ao mundo pelos seus pais. (...) O estado de espírito patente no pavilhão húngaro era fortemente nacionalista (os críticos austríacos disseram, com azedume, que a arte popular que lá estava exposta era vulgar e as suas cores eram demasiado brilhantes (...) As exposições [neste Pavilhão] davam, contudo, menor importância aos milhões de povos não húngaros, como por exemplo os croatas e os romenos, que viviam dentro das fronteiras da Hungria” (MacMillan, 2013: 37).

Positivamente uma cacofonia de povos, línguas e culturas...

 

C.- Itália

 

Pavilhão Italiano.jpg

(Exposição Universal de Paris 1900 - Pavilhão Italiano) 

Tal como a Alemanha era “um novo país e uma grande potência, mais por cortesia do que por isso corresponder à realidade, construíra uma enorme catedral ricamente decorada. Sobre a sua cúpula dourada encontrava-se uma águia gigantesca, de asas abertas, numa posição triunfal. O seu interior estava cheio de arte da Idade Média e do Renascimento, mas as glórias do passado podiam ter um peso importante num país jovem e pobre” (MacMillan, 2013: 37).

Calculista, sabendo jogar nos diferentes tabuleiros, decidindo-se por aquele que lhe salvaguarda melhor os seus interesses...

 

D.- Rússia

 

Pavilhão da Rússia.jpg

(Exposição Universal de Paris 1900 - Pavilhão da Rússia))  

“Ocupava um lugar de primeiro plano na Exposição, na sua qualidade de aliada favorita da França.

As exposições russas eram enormes e estavam espalhadas por vários locais, indo desde um importante palácio no estilo do Kremelin, dedicado à Sibéria, a um pavilhão profusamente ornamentado a que foi dado o nome da mãe do czar, a Imperatriz Maria. Os visitantes podiam admirar, entre muitas outras coisas, um mapa da França, feito em pedras preciosas que o czar Nicolau II enviou como presente aos franceses e maravilharem-se só com a amplitude dos bens dos Romanov” (MacMillan, 2013: 38-39). É de realçar que, no dia de abertura da Exposição, o Presidente da França inaugurou uma nova ponte sobre o rio Sena, em Paris, a que lhe foi dada o nome do falecido czar Alexandre III. Justificava, assim, o Guia Hachette: “No final de contas, o governo russo, desenvolvera enormes esforços para colaborar na Exposição - «esta grande obra da paz». [E acrescenta]: “A Aliança Franco-Russa era recente - só foi assinada em 1894 - e ainda era problemática, uma vez que fora estabelecida entre a autocracia russa e a França republicana. Era considerada como defensiva, embora os seus pormenores fossem secretos. No entanto, preocupava a Alemanha, apesar de este país ter a sua própria aliança com a Áustria-Hungria” (MacMillan (2007: 59)

Figura 4

A Rússia era um imenso território com governantes fracos, dependente da alta finança das outras potências europeias para trazer o país para a modernidade. Daqui se explica a sua política de alianças e a sua ação futura, de solidariedade, e em prole dos seus irmãos eslavos do sul...

 

E.- Grã-Bretanha

“Optou por uma presença discreta, embora ainda dominasse grande parte do comércio e do sector manufatureiro mundial e possuísse a maior marinha e o mais extenso império. A sua exposição estava instalada numa acolhedora casa de campo projetada pelo jovem arquiteto Eduard Lutyens, no estilo tudor, com uma estrutura de madeira, e consistia basicamente em pintura inglesa do século XVIII” (MacMillan, 2013: 38). Será que semelhante representação suscitava acaso menos consideração pela anfitriã, ou uma eventual «sobranceria» de quem se acha todo-poderosa, coadjuvada por uma pose imperial, de grande potência, ufanando-se do seu «esplendoroso isolamento»? Ou não, talvez os problemas que a guerra dos bóeres lhe trouxe, as crises de liderança que porventura adivinhava, de um modo especial das ameaças da nascente e potente Alemanha? Quem sabe se preocupada com a decadência e o acaso do seu império? Interrogações maldosas, cínicas, bem certo. Afinal de contas que outra coisa não era a sua diplomacia tão ziguezagueante, consubstanciada no seu tão desejado e confortável «esplêndido isolamento»?

 

F.- França

 

Le Grand Palais depuis le pont Alexandre III à Pa

(Exposição Universal de Paris 1900 - Le Grand Palais depois da ponte Alexandre III em Paris)

Não tinha pavilhão próprio, “«afinal de contas, toda a Exposição fora concebida como um monumento à civilização francesa, ao poder francês, à indústria e agricultura francesa, e às colónias»” (MacMillan: 2013: 39). Nas diversas exposições, salas consecutivas foram dedicadas às realizações francesas. Segundo o Guia Hachette, a secção francesa do Palais de Beaux-Arts era, naturalmente, um modelo de bom gosto e de luxo. A exposição traduziu a reafirmação, por parte da França, de que continuava a ser uma grande potência, ainda que apenas trinta anos antes tivesse sido estrondosamente vencida, quando tentava impedir o nascimento da Alemanha “ (MacMillan, 2013: 39).

 

G.- Estados Unidos da América

 

Pavilhão dos Estados Unidos da América.jpg

(Exposição Universal de Paris 1900 - Pavilhão dos Estados Unidos da América)  

Inicialmente os Estados Unidos não estavam incluídos no grupo dos pavilhões estrangeiros, ao longo do Sena. Eis a explicação que um importante industrial, homem de negócios de Chicago, deu para a sua presença: “Os Estados Unidos desenvolveram-se tanto que isso lhes dá o direito não só a um lugar destacado entre as nações da Terra mas ao primeiro lugar entre as civilizações mais avançadas” (Blom, The Vertigo Years: 8, citado por MacMillan, 2013: 51). Com efeito, e citando Margaret MacMillan, (2013: 50-51) “em 1900, os Estados Unidos já haviam conseguido recuperar da guerra civil. O seu governo esmagara os últimos vestígios da resistência dos índios e o domínio que tinha sobre o seu território era total. Chegavam ao país, em grande número, emigrantes que vinham trabalhar nas suas explorações agrícolas, nas suas fábricas e nas suas minas e a economia americana expandia-se rapidamente. Se a Grã-Bretanha desempenhava o principal papel na primeira revolução industrial, ocorrida no século XVIII, e baseada no carvão, no vapor e no ferro, os Estados Unidos, com a sua rede de eletricidade e a sua capacidade aparentemente ilimitada de inovação tecnológica, encontrava-se na vanguarda da segunda, no final do século. Em 1902, as fábricas americanas produziam mais ferro e aço do que a Alemanha e a Grã-Bretanha juntas. As exportações americanas, que incluíam desde cigarros a máquinas, triplicaram entre 1860 e 1900. Em 1913, os Estados unidos detinham 11% do comércio mundial e essa percentagem aumentava todos os anos.

Na exposição o pavilhão americano, que acabou, de facto, por ficar situado num local importante, junto ao rio, era uma reprodução do Capitólio em Washington, no topo de cuja cúpula se via uma enorme escultura - A Liberdade a ser puxada por quatro cavalos no Carro do Progresso.

 

H.- Portugal

 

Não podíamos deixar aqui de referir o modesto pavilhão português da autoria de um grande arquiteto da época, Raul Lino.

Pavilhão Português.jpg

(Exposição Universal de Paris 1900 - Pavilhão Português) 

Pormenor do Pavilhão português -  Projecto de Ra

(Exposição Universal de Paris 1900 - Um pormenor do projeto do Pavilhão Português, da autoria de Raul Lino)

 

4.- Síntese

Esta Exposição, e o seu tempo, nas palavras do então jovem escritor austríaco Stefan Zweig, prefigurava a Era de Ouro da Segurança. Uma era em que as grandes potências que acumularam riqueza, território, influência e poder militar, eram ainda europeias: Grã-Bretanha, França, Alemanha, Áustria-Hungria e Itália e, a leste, a Rússia.

Segundo Margaret MacMillan, in op.cit., as exposições coloniais que integravam o certame indicavam o extraordinário poder que uma fração muito pequena do mundo acumulara nos séculos anteriores. Os países da Europa dominavam grande parte da superfície da Terra, quer através dos seus impérios formais, quer pelo controlo informal de grande parte do resto, mediante a sua força económica, financeira, tecnológica e militar.

Os caminhos-de-ferro, as pontes, os cabos telegráficos, as linhas de navios a vapor e as fábricas do mundo inteiro utilizavam o know how e o capital europeus e eram normalmente dirigidos por empresas europeias.

Em 1800, a Europa controlava, aproximadamente, 35% do Planeta; em 1914, essa proporção atingira os 84%.

A Exposição Universal de Paris de 1900 espelhava “uma Europa segura e orgulhosa de si mesma [que] abria então os braços a uma mudança de século de que só se podiam esperar coisas boas. Poucas vezes, [contudo], a perceção e a realidade estiveram tão afastadas entre si” (Canal da História, 2013: 54).

“Consumo, sociedade de massas, radioatividade, cinemas, gramofones, Art Nouveau, relatividade, aviões, cubismo, jornais, telefones, grandes armazéns, psicanálise... A Europa dos primeiros anos do século XX palpitava com pulso acelerado. Sob uma camada de autoconfiança, fé no progresso e orgulho civilizacional fervilhava inquietamente um conjunto de tensões anunciando as profundas transformações que nas décadas seguintes modificariam por completo a sociedade europeia” (Canal da História, 2013: 75).

Cremos, falando a propósito desta Exposição Universal de Paris, em 1900, ter apresentado um conjunto de ingredientes suscetíveis de nos dar alguma luz e de nos fornecerem algumas pistas para procurarmos compreender o que levou os europeus, tão empertigados na fé do progresso científico e tecnológico, sempre constante e linear, e na crença de que todas as crises se resolveriam no âmbito do tão apregoado e celebrado «concerto europeu», em ordem à tão desejada Paz, embarcaram numa escalada de guerra tão mortífera e violenta como a que viemos a testemunhar.

Para trás ficaram pistas de intensões veladas de certos impérios, «matando» à nascença, ou asfixiando, qualquer tentativa de assunção singular de potências nascentes; para trás ficam pistas de povos, numa sociedade mais aberta, plural e diversa, à procura do reconhecimento e da afirmação das suas respetivas individualidades culturais, acionados, pelo efeito da imprensa e da propaganda, e muitas vezes, de nacionalismos exacerbados; para trás ficaram pistas quanto à emergência de políticas de alianças, defensivas ou ofensivas, procurando mais forças na prossecução intransigente dos seus interesses, poder e prestígio, utilizando, hábil, e secretamente, acordos, pela diplomacia.

É com este pano de fundo, representado por uma Exposição Universal, como a de Paris de 1900, - um enorme e portentoso espetáculo propagandístico e de marketing de povos e nações, pretendendo obter prestígio, reconhecimento, e exibindo o seu poder, de carácter imperial -, em que se propalava incessantemente o Progresso e a Paz, que poderemos encontrar alguns mapas de leitura que nos elucidem a febre e o «caldo» que, durante 14 anos, se foi «cozinhado» e que, inopinadamente, nos lançou num conflito bélico, cujos horrores, a Humanidade, até aquele momento, não tinha memória.

Antes, porém, precisamos aclarar e aprofundar a corrida às alianças e os fatores de perturbação do sul da Europa.

25
Abr15

Poesia e Fotografia 69

 

 

POESIA E FOTOGRAFIA

 

POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA

 

POETA

 

Triste, lá vai à ronda dos segredos

O maluco que rouba quanto vê.

Branco, do coração aos dedos,

É todo antenas onde apenas lê.

 

Murcha-lhe nos pés o rosmaninho

E a própria rosa, de o sentir, descora:

Mas é um Deus que passeia o seu caminho

A beber a amargura de quem chora.

 

Magro, lá passa, e lá se vai consigo

A luz das coisas e a flor de tudo.

É um bruxo lento, tenebroso e antigo,

Pálido, sério, solitário e mudo.

 

Coimbra, 5 de Março de 1943

2015 - Alvarenga-Senhora da Mó-Regoufe-Drave (393

 

25
Abr15

Grande Guerra - 5

 

A GRANDE GUERRA (1914-1918)

E A PARTICIPAÇÃO DOS MILITARES DO RI 19 E DO ALTO TÂMEGA NO CONFLITO

 

PRIMEIRA PARTE

CONTEXTO INTERNACIONAL

(DA PLACIDEZ TECTÓNICA AO MOVIMENTO DAS PLACAS)

 

I

 

FIN DE SIÈCLE, DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO E FÉ NO PROGRESSO

 

2.- Pavilhões Temáticos

  • Château d’Eau, com as suas quedas de água e repuxos;
  • Palácio da Eletricidade, resplandecente, com as 5 mil lâmpadas;

The palace of water.png

  • Palácio da Horticultura Estrangeira, com alimentos do mundo inteiro, evidenciando que agora se comia muito melhor e mais variado;

Horticultura.jpg

  • Palácio do Ensino e da Educação, em que o discurso dominante, veiculado por Alfred Picard, o engenheiro que organizou a Exposição de Paris, recomendava que a visita se iniciasse por aqui, e que a educação era a fonte de todo o progresso;
  • O Palácio dos Exércitos e da Marinha, instalado num edifício que fazia lembrar uma fortaleza medieval, mostrando os grandes avanços, realizados na última década, no sentido de tornarem as armas mais destrutivas, segundo o Guia Especial Hachette. Aqui, neste Pavilhão, todas as grandes potências mostravam o seu arsenal e poderio militar que a ciência e a tecnologia propiciaram para a «arte» (destrutiva) da guerra. E é curiosa a afirmação do Catálogo Hachette quando, a determinada altura, diz que a guerra fazia parte da «natureza da Humanidade»!
  • O Anexo da Exposição em Vincennes, admirando novos automóveis e corridas de balões.

Tudo parecia que estávamos no melhor dos mundos.

Contudo, nem todos os europeus partilhavam dessa confiança, quer no futuro, quer na Humanidade, quer na racionalidade. A Exposição de Paris de 1900 pode ter celebrado estes dois pilares do pensamento dos finais do século XIX - a crença no progresso e o positivismo, com a sua fé em que a ciência podia resolver todos os problemas -, mas essas suposições eram alvo de ataques. Cada vez mais estavam a ser minadas as pretensões da ciência a revelar o universo em que tudo funcionava de acordo com as leis sistemáticas (MacMillan, 2013). “O trabalho de Albert Einstein e dos físicos seus colegas sobre as partículas atómicas e subatómicas apontava para a existência de imprevisibilidade e ocorrências aleatórias sob o mundo material visível. A realidade não era a única coisa a ser posta em causa. O mesmo acontecia com a racionalidade. Os psicólogos e os novos sociólogos demonstraram que os seres humanos eram mais influenciados por forças inconscientes do que até aí se supunha. Em Viena, o jovem Sigmund Freud inventava uma nova prática da psicanálise para mergulhar no inconsciente humano e publicava «A Interpretação dos Sonhos» no mesmo ano em que decorria a Exposição de Paris. A obra de Gustav Le Bon sobre como as pessoas se podem comportar de formas inesperadas e irracionais, quando se encontram em grupo, causou uma profunda impressão na época e ainda hoje continua a ser utilizada pelos militares americanos, entre outros. O seu livro sobre psicologia de massas, publicado em 1995, alcançou um grande êxito (...) O grande sociólogo francês Émile Durkheim preocupara-se com a perda das antigas comunidades estáveis, quando as pessoas emigravam para as grandes cidades. Outros, como Le Bon, inquietavam-nos a dúvida sobre se a razão e a Humanidade poderiam sobreviver numa sociedade de massas (MacMillan, 2013: 56-57).

“A nova ciência estava a abalar os pilares de tudo o que parecia seguro e racionalmente demonstrável. Nem o espaço, nem o tempo, nem a matéria eram aquilo que desde há séculos se acreditava. A natureza que o homem europeu acreditava ter dominado, revelava-se agora incerta e até inalcançável ou, o que era ainda pior, incompreensível” (Canal da História: 72).

Viremos agora a nossa atenção para os pavilhões das principais potências.

24
Abr15

Grande Guerra - 4

 

 

A GRANDE GUERRA (1914-1918)

E A PARTICIPAÇÃO DOS MILITARES DO RI 19 E DO ALTO TÂMEGA NO CONFLITO

 

PRIMEIRA PARTE

CONTEXTO INTERNACIONAL

(DA PLACIDEZ TECTÓNICA AO MOVIMENTO DAS PLACAS)

 

I

 

FIN DE SIÈCLE, DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO E FÉ NO PROGRESSO

 

As grandes potências dependem tanto

do seu prestígio e de serem consideradas

poderosas pelo outros,

como de fatores materiais,

como a sua força militar e a economia.

 

(MacMillan, 2013: 61)

 

Para tentarmos conhecer, e porventura compreender, o Mundo que antecedeu a Grande Guerra, a sociedade ocidental dos finais do século XIX - e o seu espírito da época -, com as suas conquistas, ideias, esperanças quanto a um futuro melhor, mas também as suas tensões e clivagens, nada como, munidos da pena de Margaret MacMillan, acompanhados do Guia Especial Hachette, mergulharmos na cidade de Paris, de 1900, e, em especial, percorrermos o espaço da sua Exposição Universal.

Figura 1

(Paris 1900 - Vista panorâmica da Exposição)

Figura 2

 (Paris 1900 - Plano da Exposição)

 

1.- Mensagens, temas e ideias decorrentes na Exposição de Paris de 1900

Comecemos primeiro pelas declarações dos seus protagonistas mais responsáveis, e organizadores.

Em 14 de Abril de 1900, o Presidente da França, Émile Loubet, na abertura da Exposição Universal de Paris, em tom aprovador, falava sobre a justiça e a bondade humana. E, muitos dos seus responsáveis franceses diziam que a Exposição era um «símbolo de harmonia e de paz» para toda a Humanidade.

Segundo o Guia Especial Hachette, citado por Margaret MacMillan, “todos os povos da Terra trabalharam na Exposição, «acumularam as suas maravilhas e tesouros, para que se revelassem artes desconhecidas e descobertas esquecidas e para competirem connosco de uma forma pacífica, de modo que o Progresso não abrande» ” (MacMillan, 2013: 41).

Figura 3.jpg

Nas palavras de Margaret MacMillan, “a exposição pareceu uma maneira apropriada de assinalar o fim de um século que começara com revoluções e guerras, mas que simbolizava agora progresso, paz e prosperidade”. E continua, “a Europa não podia dizer que não houvera guerras no século XIX, mas tinham sido insignificantes, se comparadas com as longas lutas do século XVIII ou as guerras da Revolução Francesa e, mais tarde, aquelas para as quais Napoleão arrastaria quase todas as potências europeias” (MacMillan, 2013: 39-40). E acrescenta, “não há dúvida de que os factos ocorridos no século que terminara havia pouco demostraram que o mundo, em particular o mundo europeu, se afastava da guerra” (MacMillan, 2013: 55). A Europa recriou aquilo a que se passou a designar como o «concerto europeu», uma fórmula encontrada para gerir os assuntos internacionais do continente, no hábito, criado pelos estadistas, de se consultarem uns aos outros para tratar questões prementes e dirimir conflitos.

Na verdade, para além da Exposição Universal de Paris de 1900 ser uma montra gigante dos países representados foi também um monumento às maiores e mais recentes realizações da civilização ocidental, em domínios como a indústria, o comércio, a ciência, a tecnologia e as artes.

Quer nos pavilhões temáticos, quer nas reuniões do Palácio dos Congressos, a temática geral era a de que “o progresso e a paz tinham avançado no mesmo ritmo pelo que a Europa de 1900 era muito diferente da que existia no século anterior, infinitamente mais próspera e manifestamente mais notável” (MacMillan, 2013: 55). E acreditava-se, em todas as suas reuniões, que o futuro viria a ser ainda mais risonho.

Para além dos temas decorrentes dos avanços científicos e tecnológicos e da importância da educação como fonte do progresso, a par do aumento de bibliotecas públicas e “das aulas para adultos incentivaram a leitura e as editoras responderam aos novos mercados de massas com livros de banda desenhada, literatura de cordel, romances policiais e histórias de aventuras como «westerns»” (MacMillan, 2013: 43), também se dá conta que aparecem os “jornais de massa, com os seus grandes títulos a cores e profusamente ilustrados” (MacMillan, 2013: 43), contribuindo para alargar os horizontes dos europeus e levá-los a sentirem que faziam parte de comunidades maiores do que aquelas às quais os seus antepassados estavam ligados.

Por outro lado, também se abordava e fazia sentir que “melhores comunicações, nomeadamente o novo, rápido e barato correio público e o telégrafo não só puseram os europeus em contacto uns com os outros” (MacMillan, 2013: 45) como fez nascer neles um sentimento nacionalista, informando-os do que se passava nos outros restantes países.

“As cidades, reconhecia-se, libertaram-se dos seus velhos bairros degradados e ruelas estreitas e construíram artérias mais largas e espaços públicos mais vastos” (MacMillan, 2013: 45).

Em suma, a Europa começa a parecer-se, nesta altura, mais com o mundo que hoje conhecemos do que com o passado.

Noutras exposições, como a de tecidos e vestuários “os franceses mostravam o trabalho dos seus melhores costureiros mas também peças de pronto a vestir, graças às quais a moda começava a ficar ao alcance do consumidor da classe média. Nos bens de consumo - bicicletas, telefones, linóleo, jornais e livros baratos - passaram a fazer parte da vida quotidiana e os grandes armazéns e a compra por catálogo permitiam que todos os que dispusessem de recursos financeiros tivessem acesso a eles” (MacMillan, 2013: 46). E estamos a falar de um número cada vez mais crescente de europeus.

Face a este (excesso) de confiança no progresso e na paz duradoura, veiculada pela «propaganda» dos seus protagonistas e organizadores, na amostra de bens de consumo disponíveis às grandes massas, particularmente da classe média, e pela amostra das realizações científicas e tecnológicas, vejamos o que os principais pavilhões temáticos nos patenteiam:

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