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zassu

01
Jul13

Desencontro(s) - Cena 5:- Eu, socialista, me confesso...

DESENCONTRO(S) - CENA 5

 

EU, SOCIALISTA, ME CONFESSO…

 

I

 

 

… que, no contexto do actual pensamento, nomenclatura e estratégia do PS, tenho pouco de socialista!

 

Após os finais da década de oitenta, princípios da de noventa do século passado, com a Queda do Muro de Berlim, o fim da Guerra Fria, e dos dois blocos económicos, não tivemos o discernimento suficiente para aquilatarmos de que estávamos entrando numa nova era e que, urgia, neste novo contexto, encontrar um novo pensamento, tendo em conta a matriz fundamental do PS, com uma nova estratégia e uma nova acção para o futuro que aí vinha.

 

Não soubemos tirar as devidas consequências do que significava o fim da «era comunista» e do consequente Estado que a suportava.

 

Não soubemos, com acuidade, (a não ser raras exceções de alguns intelectuais) fazer a crítica profunda e generalizada a que as teses do marxismo, levadas a cabo pelos seus ideólogos oficiais, que se apoderaram do poder, representavam para os países então comunistas, os ditos do leste.

 

E, essencialmente, não soubemos encontrar uma alternativa, credível, e verdadeiramente socialista - aliás na linha de um texto que aqui neste blog, http://zassu.blogs.sapo.pt/1874.html, já defendi quando apresentava o artigo Marx versus Proudhon -, para a sociedade que estava à nossa frente e que necessitava de um novo pensamento, um novo elã, enfim, uma nova definição, uma outra estratégia que fosse capaz de reivindicar uma alternativa, confrontando a «nova Pax Americana» e o seu «pensamento único», que acabou por se instalar, aclamando, alguns dos seus defensores e arautos, o «fim da história», com o triunfo absoluto do capitalismo, na sua face mais desenfreada – o neoliberalismo.

 

Porque, no final de contas, e em termos práticos, até ao reinado iníquo do desastrado regente Passos Coelho, em que termos se diferenciavam, na sua essência, as políticas do PPD e do PS, quando estavam, alternando, o poder?

 

Que Estado construíram?

 

É certo que foram implementadas políticas que consubstanciavam a construção de um Estado Social de Bem Estar Social, dando melhor qualidade de vida aos cidadãos.

 

Mas, com que processos, com que estratégia?

 

Seguindo três grandes métodos, aliás já herdados do passado, não tendo nós aprendendo nada com o que a história desse passado nos ensinou! Para onde fomos, em que estado ficámos…

 

Em primeiro lugar, a omnipotência de um Estado tentacular, todo-poderoso, tomando conta e decidindo em todos os sectores de actividade, tudo às custas do erário público, empregando amigos e apaniguados, criando um verdadeiro «polvo», de que ninguém se poderia (pode) livrar, ou seja, foi a partidocracia (e o seu correlato caciquismo) tomando conta de todos os postos do Estado.

 

Em segundo lugar, face ao nosso atraso ancestral, quais as políticas que tomámos como prioritárias? Seguimos os passos do «fontismo», fazendo obras, muitas delas faraónicas, e desnecessárias, sem a devida discussão, a seu tempo, da sua efectiva oportunidade, para satisfação dos lobbies económicos que ajudaram este ou aquele partido a subir ao poder e segundo os caprichos dos poderosos caciques locais, senhores e donos das autarquias. E aqui, tal como no passado, a conta, mais tarde ou mais cedo, vem sempre e quem na paga? O que se está a ver!...

 

Em terceiro e último lugar, que fizemos no sector da formação e da produção? Como é possível que, em inícios do século XXI, tenhamos 85% de analfabetos funcionais? Por quanto tempo durou o slogan do governo de Guterres: “a educação é a minha paixão»?

 

Por isso compreendo e aceito a raiva e o rancor de Miguel Real quando, na Apresentação do seu ensaio «Nova Teoria da Felicidade», a páginas tantas profere: “O Estado português é, desde os primeiros anos do nosso século, uma máquina implacável e aterrorizante de generalização de infelicidade, individual e colectiva. (…) uma classe política culturalmente ignorante (como prova a anulação de feriados históricos, como o dia da independência e o da implementação da República) e socialmente oportunista (ocupação de cargos por apropriação carreirista, sem mérito próprio), com a mente aprisionada por ditames éticos maximamente individualistas (quebrando o sentimento comunitário presente na colectividade portuguesa desde a Idade Média), dividindo americanamente os portugueses entre «vencedores» e «vencidos», totalmente desprovida do princípio moral cristão da solidariedade e do princípio humanista da igualdade, assenhoreou-se do Estado português, depreciando a prática do bem comum e hipostasiando uma política fiscal considerada «psicopata» (Carlos César, ex-presidente do Governo Regional dos Açores). Uma classe política enriquecida à custa de benesses e subsídios do Estado, presumindo-se americana, classificando arrogantemente o povo português de «piegas», incentivando descaradamente a população jovem a emigrar, declarou guerra oficial ao bem comum e aos valores permanentes em Portugal, acentuando de um modo calamitoso desigualdades sociais, estendendo a mancha de pobreza para além dos dois milhões de habitantes. Uma classe política própria de um país do Terceiro Mundo, autênticos «coronéis» brasileiros, dominando as máquinas partidárias regionais e nacionais. Com medidas draconianas, acima de toda a sensatez, esta classe política, dirigida por um Presidente da República que se encontra no ativo há vinte e cinco anos, responsável por erradas opções desenvolvimentistas, enfatizando a construção e o consumo contra a formação e a produção (porventura o pior presidente desde a instauração da República em 1910), lançou a dissensão, o conflito e a perturbação entre a população, criou um clima de quase guerra civil, tornando Portugal um país onde medra o chico-espertismo, o oportunismo, o carreirismo e onde muito, muito dificilmente se consegue ser feliz, nem mesmo realizado. Com as medidas propostas e activadas pelo Governo, nem sequer se consegue atingir o primeiro e mais simples patamar da felicidade – a satisfação de uma vida simples”.

 

Num outro seu ensaio - a «Nova Teoria do Mal» - o mesmo autor afirma que vivemos “um relativismo ético entre os cidadãos que imita a corrupção nos negócios do Estado e a total falta de ética presente na vida de políticos conhecidos, cujo exemplo (i)moral reside no oportunismo partidário e na ocupação desenfreada e terrorista de funções públicas, sacando do Estado o máximo possível em honorários – elite altamente incompetente: uma autêntica mancha podre que infeta a totalidade da vida nacional e corrói a dignidade de qualquer cidadão eticamente nobre”. Senhores todo-poderosos que dia a dia nos empobrecem mais, levando o país a ter simplesmente 15%, ou ainda menos, de uma classe média quando, na Europa, a que pertencemos, é de 60%. Assim, o que, desta feita, sobreleva é o descalabro económico e o decadentismo político, impedindo que a maioria dos cidadãos ascendam a uma vida socialmente normal e à criação de uma cidadania ativa e ilustrada.

 

A acrescer a esta circunstância, mais dois dados, não menos despiciendos: para além de um milhão, hoje em dia, de desempregados, temos dois milhões, ora vivendo na miséria ou na pobreza, enquanto meio milhão vive «à larga e à francesa», em verdadeira «tripa forra», dos quais, cinquenta mil, são a classe política recente.

 

O grande objectivo da política e dos políticos dignos desse nome, é criar todas as condições económicas, financeiras e educativas para termos e consolidarmos uma História de Portugal moderno, com uma classe média que ultrapasse os 50% dos indivíduos, e não o contrário, como infelizmente hoje está a acontecer.

 

Porque, aqui, estamos ainda uma vez mais de acordo com Miguel Real quando enfatiza: “Apenas a classe média pode assegurar um equilíbrio entre o desenvolvimento e o humanismo. Sem uma classe média forte, liberal nos costumes e solidária na acção social, imune à violência da publicidade sobre as consciências, equilibrada na poupança e no consumo, Portugal será, ao longo do século XXI, um barco sem rumo, donde todos os dias apetece emigrar, exactamente como sucedeu nos dois séculos anteriores” («Nova Teoria do Mal»).

 

Portugal precisa menos de um choque tecnológico e mais de um choque cultural. Porque, “primeiro a cultura, o espírito, o sentido da transcendência histórica; depois, por inevitável arrasto de exigência cívica, o progresso tecnológico. A brutal inversão destes valores pelos recentes governantes evidencia tanto a sua pobreza de espírito quanto o projecto pombalino desumanamente tecnocrático em que se encontram empenhados” («Nova Teoria do Mal»).

 

Tal como os versos de Jorge de Sena, citados por aquele autor, a revolta é grande e apetece sair de casa e escrever em todos as paredes deste país:

 

Roubam-me Deus

Outros o diabo

Quem cantarei

 

Roubam-me a Pátria

e a humanidade

outros ma roubaram

Quem cantarei

 

Sempre há quem roube

Quem eu deseje

E de mim mesmo

Todos me roubam

 

Quem cantarei

Quem cantarei

 

Roubam-me a voz

quando me calo

ou o silêncio

mesmo se falo

 

Aqui D’El Rei.

 

 

II

 

 

Eu, socialista, me confesso que, depois da minha experiência durante dez anos como autarca, jurei a mim próprio que, enquanto continuasse o estado actual do enquadramento legislativo autárquico que nos rege, jamais participaria em qualquer órgão autárquico.

 

O poder autárquico, tal como hoje existe, não exibe qualquer atributo nobre de democrático. É apenas uma fachada! Porque não passa de um poder tutelar, autárcico, cacique, fundamentado, e fundamentalmente assente, na pessoa do primeiro cabeça de lista ao executivo camarário. Não raras vezes servindo, para uns, encherem o «papo» e, para outros, o «peito», no exercício de uma mentalidade, muitas das vezes, absolutamente impune e absoluta!

 

Muitos afirmam que o poder autárquico tende para a figura do presidencialismo. Nada mais errado! Para isso era necessário que as Assembleias Municipais tivessem um efectivo e verdadeiro poder deliberativo, o que não acontece. As Assembleias Municipais não passam simplesmente de «caixas de ressonância» do poder executivo municipal. Para que tal afirmação fosse verdadeira, os Presidentes de Câmara deviam surgir directamente das Assembleias Municipais e, perante elas, efectivamente responderem. Oxalá que assim fosse!

 

O que actualmente existe é uma lista dos quais são eleitos directamente pelo povo determinados indivíduos para o órgão Câmara. Mas quem efectivamente manda, como verdadeiro «sultão», é o Presidente da Câmara, podendo chamar a si e avocar todos os assuntos, mesmo decidindo ao contrário de um vereador cujo pelouro ou área de atuação lhe tenha sido atribuída por deliberação camarária! Esta forma de exercício de poder não passa de uma verdadeira «mascarada»! Melhor fora que os vereadores fossem escolhidos pelo Presidente da Câmara, com ratificação da sua respetiva nomeação pelas Assembleias Municipais…

 

Mas, infelizmente, ninguém tem coragem de mudar este estado de coisas, mesmo sabendo que está errado, como se tem visto! E o PPD e o PS são os únicos responsáveis por este estado de coisas. O PS, nesta matéria, deveria ter uma outra postura, toda bem diferente do PPD. O que acontece é que uns e outros desculpam-se uns aos outros, escondendo, no fundo, que não querem mudar nada para que tudo fique na mesma. Para satisfação das suas «cliques», dos seus caciques locais…

 

Também já escrevi neste blog, http://zassu.blogs.sapo.pt/2655.html, que, no século XXI, com os enormes avanços da ciência e da técnica, é incompreensível a escala pela qual são geridos os territórios municipais.

 

Não sou contra os municípios. Muito pelo contrário. Sou pela tradição municipalista portuguesa! Só que tanta gente, tanto poder e finanças repartidas pelos nossos municípios, tornam os seus territórios mal desenvolvidos e dificilmente bem geridos. Este estado de coisas apenas satisfaz o poder absoluto, caciquista e megalómano da grande maioria dos Presidentes de Câmara que temos. Desperdiçando recursos e dinheiro que a Portugal tanta falta faz para efectiva valorização das pessoas, e somente favorecendo a exibição balofa de um «fontismo», muitas vezes sem sentido e mal enquadrado.

 

Por último, e para finalizar, o que mais me constrange é que, para além da falta de democraticidade e representatividade dos eleitos aos diferentes órgãos locais, é a forma absolutamente «cretina» como o poder local se serve de todas (e sublinho todas) as instituições que atuam na sociedade local para, manipulando-as e, muitas vezes, «comprando-as», se perpetuarem no poder. Usam-nas, em vez de as chamar (a elas e aos cidadãos individualmente falando) à partilha do poder, participando efectivamente nas decisões e gestão no que à coisa pública municipal se refere.

 

Sou absolutamente crítico quanto à democraticidade do poder autárquico; sou absolutamente crítico quanto à escala da gestão dos municípios; sou absolutamente crítico quanto à falta de uma efectiva participação dos cidadãos nas decisões que dizem respeito ao território que habitam e nele vivem.

 

Pelo exposto, obviamente, que não me poderia candidatar às estruturas do poder local por me encontrar frontalmente contra este «status quo». Porque esta «trapalhada» que em Setembro vamos protagonizar, votando, tal como, uma vez mais, Miguel Real diz: “(…) não reconduz o português ao húmus vivencial donde nasceu a sua cultura tradicional, paradoxalmente hoje mais revolucionária que nunca: os valores da partilha, da solidariedade, a fruição do tempo longo, a participação direta na vida local, fomentadora de autonomia das populações, os sentimentos de cooperação e altruísmo, o sentido transcendente de vida, o valor da palavra justa e reta, valores e sentimentos hoje abafados pela omnipotência do dinheiro (…)” («Nova Teoria do Mal»).

 

III

 

Face a este quadro, negro, que acabo de pintar, muitos me podereis perguntar porque ainda sou militante, e continuo, no Partido Socialista?

 

A resposta é tão simples quanto isto. Tal como Miguel Real, considero que, ética e ontologicamente falando, no campo social, não existe felicidade sem a participação ativa do outro. E, mais de trinta anos, vivendo com e ao lado de uma instituição que também eu, em muito pequenina proporção é certo, ajudei a construir, não se apaga de um dia para o outro! De qualquer das formas o PS foi, ao longo destes anos todos, parte da minha vida, ajudando-a a moldar-se.

 

Mas esta não é a única e decisiva razão.

 

Apesar de muito crítico em relação ao rumo que os partidos socialistas tomaram na Europa, e, consequentemente, ao PS em Portugal, considero que não há paraísos. O PS é uma instituição com tantos limites, defeitos e possibilidades tantas quanto eu próprio tenho! E, para mim, representa, no conjunto dos partidos do espectro partidário que nos rodeia, o único e grande reduto de esperança e transformação da sociedade em que vivemos. Porque a sua génese foi essencialmente regida e orientada pela dinâmica dos valores (humanistas, republicanos e sociais-democratas) e não pela dos interesses (tal como se passou e passa no PPD); porque fez frente (e aqui um especial realce à pessoa do seu fundador) às tentações totalitárias e programas coletivizantes do PCP; porque, embora dotadas de grande valor e acuidade, as propostas políticas do BE, não passam de erráticas e, não raras vezes, inconsequentes; já para não falar do CDS/PP que, face ao seu comportamento no atual governo, não se sabe muito bem o que, hoje em dia, defende – a não ser a permanência no poder pelo poder.

 

No PS ainda vejo mulheres e homens, infelizmente já bem poucos!, que, de uma forma ética e solidária, todos os dias contribuem para a construção de um partido melhor e que, com o seu pensamento, acção, as instituições e cidadãos da sociedade em que vivemos, querem construir um outro futuro melhor e mais feliz.

 

Foi esta postura que sempre vi, e admirei, em dois homens que, por e com eles, entrei no Partido Socialista: Fillol Guimarães – socialista e republicano; Nelson Vilela – socialista e portador de uma cultura cristã e humanista.

 

Quando esta esperança e este legado desaparecerem da minha memória, deixarei de integrar, como militante simplesmente de base, o Partido Socialista.

 

(Augusto Santos) Zassu

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