Pastorela na qual o trovador, descreve, apenas como espetador (sem nunca intervir), as reações de uma pastora apaixonada. O retrato é o de uma donzela lamentando-se e chorando, até porque pouco habituada a mágoas de amor, e que acaba, prostrada, por se deitar «entre umas flores».
Dirigindo-se a uma amiga, a donzela mostra-se disposta a ceder aos seus constantes pedidos no sentido de deixar de tratar mal o seu amigo e de o favorecer de algum modo. Assim, por amor desta sua amiga, ela irá fazer bem ao seu amigo, mas não tanto quanto ele quiser.
Cuidades vós, meu amigo, ca vos nom quer'eu mui gram bem,
e a mi nunca bem venha, se eu vejo no mundo rem
que a mi tolha desejo
de vós, u vos eu nom vejo.
E, maca'lo vós cuidades, eno meu coraçom vos hei
tam grand'amor, meu amigo, que cousa no mundo nom sei
que a mi tolha desejo
de vós, u vos eu nom vejo.
E nunca mi bem queirades, que mi será de morte par
se souberdes, meu amigo, ca poss'eu rem no mund'achar
que a mi tolha desejo
de vós, u vos eu nom vejo.
Vasco Fernandez Praga de Sandin
Nota geral
Sabendo que o seu amigo pensa que ela não o ama, a moça sossega-o: não há nada no mundo que lhe consiga tirar o desejo que dele tem.
VASCO FERNANDEZ PRAGA DE SANDIN ( Portugal )
Trovador de origem galega (talvez originário de Parga, na atual província de Lugo), radicado em Portugal. Citado nas inquirições de 1258 como possuindo bens da região de Guimarães, Vasco Fernandes Praga deveria ter já uma idade relativamente avançada na época, como refere Resende de Oliveira (uma vez que um seu cunhado, Vasco Martins, já tinha netos nessa altura). O seu período de atividade deverá ter decorrido, portanto, na primeira metade do século XIII (o que coincide com a colocação das suas cantigas nos cancioneiros.
Nova cantiga contra os cavaleiros oportunistas. Aqui o remoque de Gil Peres Conde dirige-se a um deles que, não se apresentando nem se armando como devia, não deixava, mesmo assim, de receber pagamento, ou soldada. A ironia reside sobretudo na curiosa expressão popular do refrão que refere essa soldada, se lha dam por aguilhando, expressão que remeterá para os donativos concedidos em determinadas festividades (e que talvez possamos entender como o nosso atual "bodo aos pobres").. É também percetível uma crítica velada, se não ao rei, pelo menos aos seus funcionários administrativos.
Pelas referências feitas ao Infante D. Fernando, primogénito de Afonso X, a composição terá sido certamente composta entre 1268, ano do seu casamento, e 1275, ano da sua morte.
Pois não posso mágoas dar a quem mágoas só me deu.
Rogo a Deus desamparar a quem me desamparou,
ou que possa eu perturbar a quem só me perturbou.
E logo dormiria eu,
Se pudesse mágoas dar a quem mágoas só me deu.
Talvez ouse perguntar a quem não me perguntou,
Por que ela me a fez cuidar se ela nunca me cuidou.
E por isto padeço eu,
Pois não posso eu mágoas dar a quem mágoas só me deu.
Nota
A cantiga de Pero da Ponte - Se eu pudesse desamar -, desenvolve a temática da coita e da submissão, ainda que indesejada, ao sentimento amoroso, expressa principalmente pela condicional que inicia o refrão bipartido: se eu podesse coita dar, / a quem me sempre coita deu (1ª e 3ª coplas) e porque nom poss’eu coita dar, / a quem me sempre coita deu (2ª e 4ª coplas). A oscilação entre o eu e o ela presente no refrão (eu podesse / (ela) deu; nom poss’eu / (ela) deu) enfatiza a inexorabilidade do destino que faz com que o poeta seja prisioneiro do desejo de provocar na sua senhor, senão o mesmo amor, pelo menos a mesma coita que o atormenta.
É interessante observar que toda a cantiga está construída sobre o artifício do mozdobre: desamar/desamou; buscar/buscou; enganar/enganou; desejar/desejou; desampar/desamparou; destorvar/destorvou; perguntar/perguntou; cuidar/cuidou, compondo um lamento (lazeiro) em que o trovador joga com lugares fixos — o lugar da coita amorosa e o lugar da senhor — desejando ser possível inverter tais papéis, e receber a coita, ao invés de sofrê-la. Entretanto, o rogo a Deus para que desampara a ela, quem m’assi desamparou, encontra na condicional do refrão ‘se eu podesse coita dar’ uma esperança mínima que é rebatida pela conclusão de ‘porque nom poss’eu coita dar, / a quem me sempre coita deu’.
O trovador não é livre para deixar de desamar a quem sempre o desamou, entretanto, de sua coita nasce a cantiga de amor que será cantada nas cortês palacianas, pondo à prova sua mestria e seu bom trovar. Resta-nos perguntar: que amor é esse de que se fala, codificado em fórmulas fixas e topos estereotipados?
Primeira de sete cantigas d´amigo, que a maior parte dos comentadores julga constituir um ciclo unitário (havendo diversas matizações ou discrepâncias quanto ao estatuto da sexta e da sétima cantigas, já que a sexta aparece sem música no Pergaminho Vindel, e a sétima foi aí acrescentada pelo copista musical). A unidade do ciclo seria de tipo fundamentalmente retórico, havendo uma progressão narrativa somente entre a cantiga II e a cantiga IV.
Nesta primeira cantiga, a donzela interpela as ondas do mar, perguntando-lhes se acaso sabem do seu amigo e se virá em breve (note-se, para melhor compreensão de um dos contextos possíveis deste apelo, que, na época, as viagens longas eram geralmente feitas por via marítima).
Uma pastorela na qual, ao contrário do habitual, o cavaleiro/trovador não intervém, limitando-se a observar um grupo de pastoras a cantar e a conversar. Na primeira estrofe, depois desta apresentação geral, uma delas canta, em forma de aviso às restantes, uns versos em que conclui, pois, o amigo se foi embora sem se despedir, que nenhum é de fiar. Na segunda estrofe, uma outra pastora, não concordando com esta visão tão pessimista, contrapõe que ele decerto em breve regressará, concluindo também com uns versos, mas estes alegremente esperançosos. É possível que estes dois dísticos que terminam as estrofes fossem citações de cantigas de amigo alheias e conhecidas. Infelizmente, não conseguimos localizá-las, se bem que, na obra de D. Dinis, encontremosuma cantigacujo refrão tem semelhanças com o primeiro destes dísticos (nunca molher deve, bem vos digo,/ muit´a creer per juras d´amigo). A composição tem ainda o interesse suplementar de incluir uma referência explícita ao célebre Caminho Francês, o caminho internacional que conduzia a Santiago de Compostela.