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zassu

10
Jan17

Mário Soares - Um adeus, um exemplo e uma lição que nos deixa

 

 

MÁRIO SOARES

 

UM ADEUS, UM EXEMPLO E UMA LIÇÃO QUE NOS DEIXA

 


A única certeza que temos na vida é a da nossa morte. E, quanto a isto, como refere Carlo Strenger, e como mostra a psicologia existencial, trata-se, por outro lado, da única certeza com que não conseguimos lidar.

 

Perante este «trauma» existencial, o homem, ao longo dos tempos, encontrou formas de «fugir» a esse dilema, encontrando múltiplas soluções para escapar à mortalidade, indo ao encontro da imortalidade.

 

Uma dessas formas, foi a religião, as diferentes religiões.

 

Embora a maioria da humanidade tenha encontrado na religião a saída para o trauma da morte, sabemos, contudo, o que a história das diferentes religiões, porque vivendo sobre sistemas fechados, cada uma, de per si, portadora e detentora absoluta da verdade sobre o homem e o seu destino, o estado de coisas que trouxe à Humanidade, quer no passado, quer ainda na atualidade.

 

Mas não foi só a religião que participou destes sistemas de verdade, exercendo uma influência demasiado dominadora sobre a vida e as sociedades humanas. Particularmente o século XX, com o seus holocaustos, é imensamente rico quanto à perniciosa influência que as ideologias totalitárias tiveram sobre o ser humano.

 

Por outro lado - ou simultaneamente - a fé desmedida na racionalidade e nas conquistas tecnológicas que a ciência propiciou, fez-nos crer na missão redentora do conhecimento para a Humanidade, ao ponto de inculcar, como advento e desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação, ao cidadão comum, que tudo era possível. Bastava querer!

 

Sabemos o que a «filosofia» do just do it, proliferando como propaganda por todos os meios de comunicação social e redes, trouxe, nas décadas de 80 e 90, do século passado - uma enorme riqueza acumulada para muito poucos - cerca de 0,5% da população mundial - enquanto uma enorme multidão de pessoas, por todo o mundo - cerca de 99,5% - vivia (e vive) na pobreza e na mais pura miséria. Era o período neoliberal em toda a sua força e pujança. Da liderança dos mercados financeiros e da desregulação, de que nós, portugueses, ainda continuamos a pagar dura fatura. E tudo isto numa Europa, à deriva, afastada dos seus valores fundacionais, e que Mário Soares, o arauto da nossa integração, tanto criticava.

 

O corpo de Mário Soares foi hoje a sepultar.

 

Pertencemos à família cujo primeiro fundador foi ele.

 

A nossa visão do mundo era muito parecida.

 

Comungávamos o mesmo «desdém civilizado» por aqueles que, sendo crentes, julgam-se detentores da verdade absoluta e do destino do Homem. E lutávamos. Tal como ele lutava. Sentindo, muitas vezes, raiva, mágoa, e até desdém. Mas sem violência. Continuando a comunicar com aqueles cujas visões do mundo não respeitam as nossas - atitude básica para a construção autêntica de cidadania que, cada vez mais, se torna vital, num mundo cada vez mais globalmente integrado.


Mas não somos, desta feita, relativistas, considerando que tudo tem o mesmo valor.

 

Mário Soares, laico, não precisou de uma qualquer religião para dar sentido pleno à sua vida. Homem de cultura, e mente aberta, não se fascinava por visões fechadas do mundo.

 

Acreditou que só em democracia pluralista, usando todos a liberdade de se exprimir e atuar, é que o Homem e a Sociedade verdadeiramente se desenvolvem.

 

Foi com este lema de vida que sonhou que Portugal fosse maior, respaldando-se nos ensinamentos da nossa História.

 

Nem sempre, em certos momentos históricos, na pequenez do espaço onde atuávamos, e com as limitações que nos são intrínsecas, estivemos de acordo com ele.

 

Não era isso que interessava.

 

O que contava era a abertura à discussão das diferentes visões e soluções que cada um, por si, e sem qualquer cartilha, tinha para a sua terra e para o seu país, procedendo sempre numa perspetiva dialógica ou socrática.

 

A imagem mais impressiva que guardamos do homem que hoje sai verdadeiramente de cena, do nosso convívio, mas não ausente da nossa memória, é de Mário Soares com Álvaro Cunhal, em 1 de maio de 1974, no Estádio 1º de Maio, em Lisboa. Acompanhava-nos, vindos de Mafra, onde estávamos em instrução, como cadetes, o saudoso camarada Benjamim Ferreira.

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Nas palavras de cada um deles, quer de Mário Soares, quer de Álvaro Cunhal, senti profundamente as suas histórias e os seus desígnios. E partilhei esperanças. Nunca abandonadas!...

 

Embora no respeito civilizado, mas «desdenhoso», pela solução comunista, há muito, pelas leituras que fazíamos, estávamos pelo lado onde a liberdade não se confundia com as «lavagens ao cérebro» ou soluções milagrosas, em meio de goulags. Vinha-nos de dentro o apelo do «caminhar, caminhando»! O Estado Democrático, Plural, e o Socialismo Democrático era a nossa opção. Que tinha de ser decidida por cada um de nós portugueses. E construído com o nosso labor e ação quotidiana.

 

Foi isto o que aprendemos no PS e com Mário Soares.

 

Por isso, para nós hoje fica um enorme Adeus - melhor, um Até sempre - a Mário Sores, que foi, para a nossa geração, um exemplo de vida.

 

E, este «maior» de 92 anos, subtilmente, deixa-nos uma lição: o de vivermos uma vida plena, por um ideal, conscientes que hoje, mais que nunca, na expressão de Edgar Morin, estamos numa verdadeira encruzilhada da História da Humanidade, ou seja, entre a inércia para a destruição do Planeta (e veja-se já as suas preocupações pelo Ambiente nas suas Presidências Abertas) e o surgimento de uma compreensão coletiva do facto de termos de mudar de rumo para sobreviver.

 

Portugal, embora país pequeno, tal como no passado, tem, pelo peso da sua História, um contributo importante e decisivo a dar a este desiderato.

 

Debatendo seriamente esta Europa que temos, ajudando, afincadamente, a construir a verdadeira Europa, aquela pela qual optámos e aderimos - a da solidariedade, a dos cidadãos.

 

Basta, tal como Fernando Pessoa nos lembra que, para isso, e tal como nos revela o nosso passado histórico, que interiorizemos que «tudo vale a pena quando a alma não é pequena».

 

Ousemos ter uma alma grande!

 

António de Souza e Silva

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