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12
Mai15

Grande Guerra (1914-1918) - 21

 

 

 

A GRANDE GUERRA (1914-1918)

E A PARTICIPAÇÃO DOS MILITARES DO RI 19 E DO ALTO TÂMEGA NO CONFLITO

 

PRIMEIRA PARTE

CONTEXTO INTERNACIONAL

(DA PLACIDEZ TECTÓNICA AO MOVIMENTO DAS PLACAS) 

 

V

AS FRENTES DE COMBATE

(OU AS GRANDES ONDAS DE CHOQUE)

 

2.- O triunfo do fogo: imobilismo. Escavar: a guerra das trincheiras ou de posições

 

2.1.- A importância dos novos meios tecnológicos versus elementos essenciais do combate     

     

2.1.1.- Os novos meios tecnológicos

 

É um facto indesmentível que os avanços científicos e tecnológicos levaram a que os meios e os processos de combate fossem completamente alterados. Daí o causar alguma estranheza aos leitores de hoje certas expressões de altos responsáveis políticos e militares da altura quando eram confrontados com os novos meios de combate. O leitor tem de se situar não só no contexto psicológico, social e cultural vigente à época, em particular a específica mentalidade e o espírito militar como entender que uma coisa são as inovações científicas e tecnológicas, outra é a sua incorporação, absorção, na estrutura das respetivas instituições. Damos quatro exemplos, extraídos de um lúcido artigo de David Martelo - «Elementos Essenciais do Combate» (Afonso; Gomes, 2013: 56-57) para nos apercebermos o quão pouco estes meios estavam interiorizados pelos altos responsáveis:

  • Quanto ao uso da metralhadora. Em 1919, o diretor da Arma de Infantaria francesa dizia: “Vamos fabricá-las, para dar satisfação à opinião pública. Mas este engenho não vem alterar coisíssima nenhuma”;
  • Quanto à necessidade de aquisição da artilharia pesada, em 1909, o representante do exército na Comissão Parlamentar do Orçamento dizia: “Graças a Deus que não temos nenhuma! O que dá força ao exército francês é a leveza dos seus canhões” E, pressuroso, o ministro da Guerra confirma: “É inútil. Com um número suficiente de disparos, todos os obstáculos serão superados;
  • Quanto às possibilidades de emprego do avião para fins militares, em 1910, o general Foch, comandante da Escola Superior de Guerra, afirmava: “Tudo isso é desporto! Para o Exército, o avião é zero!”;
  • Quando se falava no conceito de guerra moderna, o ministro da Guerra russo, Sukhomlinov, horrorizava-se só de o ouvir falar e, com arrogância, proclamava: “A guerra será sempre o que foi... Todas essas coisas não passam de invenções viciosas”

Nuno Santa Clara Gomes adianta-nos uma explicação (Afonso; Gomes, 2013: 156) quando refere que “há sempre uma tendência de considerar a experiência da última guerra como fonte de doutrina, por vezes dogma, a seguir na guerra seguinte. A instituição militar é fortemente hierarquizada e cultora das tradições [...] reage contra as novidades (...)”.

Contudo, antes do início da Grande Guerra, à exceção dos gases de combate, já estavam inventados todos os meios que viriam a ser empregues.

Quais os meios que as revoluções científicas e tecnológicas, e as unidades industriais dos finais do século XIX e princípios do século XX trouxeram como meios importantes para uso militar?

 

a).- Caminhos-de-ferro

 

Os caminhos-de-ferro permitiram transportar, controlar e abastecer grandes massas de homens e materiais, rapidamente, e a grandes distâncias.

 

b).- Comunicações

 

E não falamos apenas da imprensa e do seu uso para fins de propaganda. Falamos em particular do telégrafo, permitindo um melhor comando das tropas, através de ordens à distância.

 

c).- Motor de explosão e motor elétrico

 

Foram os responsáveis pelo aparecimento do automóvel, do avião, do submarino e do tanque ou carro de combate.

No que concerne ao motor de explosão de gasolina, propiciou o aparecimento, no final do século XIX, do avião, permitindo ao homem elevar-se nos ares, proeza que não deixou logo de atrair a atenção dos militares, ávidos de conhecer o campo de batalha com a profundidade que a terceira dimensão agora lhes permitia” (Nuno Santa Clara Gomes, in Afonso; Gomes, 2013: 157). A sua utilização, feita a par com os balões (zepelins ou dirigíveis) permitiu, na primeira fase da guerra, a observação aérea (aerofotogrametria), e na utilização de apoio às forças de terra para os bombardeamentos, em especial como precioso auxiliar ao artilheiro para melhor precisão do tiro; posteriormente, foi utilizado como meios de combate, com a aviação de caça; o que, por sua vez esta utilização da aviação para combate, desenvolveu a artilharia antiaérea. Para relevarmos da importância deste meio de combate é de registar que, em 1914, a Alemanha tinha 204 aviões contra 162 dos da França; em 1918, a Alemanha tinha 5 000 contra 10 000 dos Aliados.

A utilização mais importante do motor a diesel foi o aparecimento do submarino. O motor a diesel em combinação com o motor elétrico fez com que o submarino deixasse de ser uma arma de defesa costeira para se transformar numa arma ofensiva. Se aplicarmos agora ao submarino, como plataforma, uma nova arma - o torpedo - detonando contra os cascos dos navios com uma forte carga explosiva, capaz de provocar graves danos e afundar o maior dos couraçados ou o maior transatlântico, podemos calcular o poder destrutivo deste novo invento, em termos de perda de vida e de material. Os submarinos alemães, saídos dos portos do mar do Norte em direção ao oceano Atlântico, foram um verdadeiro pesadelo para os Aliados, não só para os seus navios de guerra mas também para as marinhas mercantes.

A aplicação do motor elétrico ao torpedo, com sistema de propulsão, movendo-se por debaixo de água - tornando-se invisível - fez, por outro lado, aparecer um novo navio - o destroyer, ou contratorpedeiro - que, armado, passou a desempenhar as duas funções.

Uma outra aplicação do motor de explosão foram os carros de combate ou tanques. Embora tenham aparecido na parte final do conflito, com alguma eficácia, particularmente em novembro de 1917, na Batalha de Cambrai, munidos de enormes lagartas, bem blindados e armados com peças metralhadoras, foram capazes de atravessar redes de arame farpado, passando por cima das trincheiras, batendo o adversário pelos flancos e pela retaguarda. Contribuíram, na parte final do conflito, para o aparecimento, de novo, e com outras características, do combate ou guerra do movimento.

 

d).- Tecnologias nas áreas da metalurgia, metalomecânica e química

 

Foram as maiores responsáveis na produção do aço que, juntamento com os conhecimentos de eletricidade, com as descobertas na física e na química, vieram revolucionar e fazer aparecer as novas armas terrestres e navais.

 

d1.).- Quanto às armas, principalmente ligeiras

 

As armas, utilizando o ferro fundido ou o bronze, não garantiam o fecho hermético das culatras, provocando fuga de gases e a consequente perda de potência, para além do perigo que representava para os seus utilizadores. Com o fabrico do aço, deixou de existir este problema. O uso do aço não só propiciou o aumento do alcance do projétil e precisão de fogo como a cadência de tiro. O salto seguinte, diz Nuno Santa Clara Gomes, “foi a introdução da ligação do cano a um sistema hidráulico de absorção do recuo, armazenando energia numas molas que depois levavam a peça à posição inicial, sem se ter de voltar a apontar. Expoente máximo desta tecnologia foi a peça francesa de 75 mm de calibre com a qual se podia atingir a cadência de 12 tiros por minuto. O sistema generalizou-se ainda antes do início da guerra, sendo aplicado a peças de obuses de vários calibres. E, sobretudo, tornou-se possível levar para o terreno grandes quantidades de bocas-de-fogo de tiro rápido” (Afonso; Gomes: 2013: 156).

Mas, no que diz respeito a armas, isto não era tudo. Os carregamentos pela culatra nas armas ligeiras; a nova tecnologia de fabrico de diferentes balas, com novos camisamentos e revestimento de cobre mais macio, possibilitando à bala moldar-se às estrias do cano dando-lhe uma outra rotação para lhe garantir uma maior precisão e alcance, bem assim uma outra cadência de tiro, permitiu à infantaria um outro poder de fogo.

O cartucho metálico levou também ao uso da metralhadora, primeiro, de canos múltiplos; depois, de um só cano. O uso em série, nesta arma, de munições em alimentação contínua, tornaram-na numa arma terrível e terrífica no campo de batalha nas investidas de infantaria.

Estando estas armas já em uso, no início do conflito, e em constante aperfeiçoamento, aumentando exponencialmente o volume e eficácia de fogo, causa estranheza que os responsáveis militares não tivessem em atenção estas inovações, levando-os a adotar novos processos de combate. Tanto mais, e como já referimos, havia exemplos recentes, nos finais do século XIX e princípios do século XX, até 1914, que algo, em termos de meios e processos de combate, estava a mudar: a guerra civil norte-americana; a guerra dos britânicos contra os Bóeres e a guerra russo-japonesa.

Como bem afirma Nuno Santa Clara Gomes, no seu artigo «Armas e Armamentos» (Afonso; Gomes, 2013: 156): “Da dialética necessidade de evolução versus respeito pelo estabelecido nascem os grandes chefes e os grandes derrotados”. Infelizmente, nesta guerra, só houve grandes derrotados, com grandes e graves prejuízos para os povos, economia e sociedade de cada país e para os cidadãos, da frente e da retaguarda”.

Mas era tal o fervor ofensivo na época que, como ainda refere Nuno Santa Clara Gomes (Afonso, Gomes, 2013: 157): “Foch ensinava mesmo na École de Guerre que este armamento favorecia a ofensiva”!

 

d2).- Quanto à artilharia

 

Os aços especiais e a mecânica pesada possibilitaram o aumento do calibre da artilharia. E, se os progressos das armas ligeiras se deviam em grande conta aos avanços na indústria química, agora, com as pólvoras, usadas como propulsoras, substituindo a velha pólvora negra, e menos sensíveis aos agentes atmosféricos “permitiam melhor a precisão; mais potentes, aumentaram os alcances” (Afonso; Gomes, 2013: 157).

Nesta guerra - «a artilharia conquista o terreno, a infantaria ocupa» - era o que mais se ouvia dizer. Assim se explica os ferozes bombardeamentos a proceder o ataque, coisa, na altura, inexplicável para o soldado de infantaria alemã e francês.

Refere Luiz Alencar Araripr (Magnoli, 206: 348) que as armas automáticas, com grande velocidade de tiro como “a Kotckiss francesa e a Maxim alemã, entre outras, ao lado da artilharia, foram eficientes máquinas de moer carne”.

A artilharia pesada, até 1914 exclusiva das fortalezas e dos navios de guerra, ganhou mobilidade ao chegar à frente de batalha montada em vagões e rebocada por tratores a vapor. A Grosse Bertha (Grande Berta), “«delicada» homenagem a Fräulein Bertha, filha do famoso fabricante de canhões Krupp, bombardeou Paris de uma distância de 100Km, causando mais comoção que dano” (Magnoli, 2006: 348).

 

d3).- Quanto às granadas e minas navais

 

As granadas, ao serem utilizadas com altos explosivos, a sua potência e poder de rotura era muito maior.

A mina naval, ou submarina, é um objeto fixo, ancorado num lugar pré-determinado, ficando flutuante sob a superfície e numa altura determinada por um cabo ou corrente. A sua profundidade era regulada em função da embarcação a atingir, explodindo no momento que houvesse contacto ou aproximação ao casco da embarcação.

 

e).- Armas químicas

 

As armas químicas foi de todos o mais inovador dos meios. O veneno já era conhecido há milénios; os gases tóxicos eram empregues em pequena escala; contudo, a ideia do seu uso para fins militares não foi pacífico e chocou a deontologia dos militares (Nuno Santa Clara, in op. cit.).

O primeiro a ser utilizado foi o cloro, a 3 de janeiro de 1915 pelos alemães, em Ypres, embora a sua primeira utilização tenha sido feita na Frente Oriental, com nulos efeitos, dadas as condições meteorológicas, de extremo frio. Seguiram-se depois outros de tipo: lacrimogénios, sufocantes, esternutatórios (que provocam espirro, ptármicos), vesicantes e de nervos, usados separados ou em combinação com fogos convencionais.

Utilizaram-se meios ou antídotos para os inutilizar ou minorar as sequelas do seu uso, quer médicos, quer materiais, como o uso de máscaras.

Pese embora o sofrimento que causaram, as mortes que provocaram e as «marcas» que deixaram não foram suficientes e capazes de definir o destino ou sentido de um vencedor.

Verificou-se terem mais impacto em “provocar o pavor e o pânico coletivo das tropas [...] para permitir o avanço daqueles que o lançavam” (Schilling, 2013: 8).

 

e1).- Retalho de memória das armas químicas

 

Vera Brittain, do Hospital Geral nº 24, em Étaples, escreve a sua mãe: “«Gostaria que todas as pessoas que escrevem com tanta fluência chamando Santa a esta guerra, e os oradores que falam tanto sobre a continuação da guerra tanto quanto seja necessário e sobre o que possa significar, vissem um caso - para não dizer 10 casos - de gás de mostarda no seu início -, vissem aqueles desgraçados queimados e cobertos de bolhas da cor da mostarda que supuram, com olhos cegos - por vezes temporariamente, por vezes permanentemente - pegajosos e amontoados, sempre a lutar para respirarem, as vozes apenas um murmúrio, a dizerem que a garganta se está a fechar e que sabem que vão sufocar. A única coisa que se pode dizer é que os casos mais graves não duram muito; ou morrem depressa ou melhoram; em geral sucede o primeiro caso»” (Gilbert, 2007: 568).

Apresenta-se Quadro das baixas provocadas pelo gás na Grande Guerra bem assim dos diferentes tipos de gases utlizados.

Quadro 1.jpg

Quadro 2.jpg

f).- Outros aspetos dos meios utilizados em combate

 

f1).- O uniforme

 

No início da guerra os soldados utilizavam os armamentos convencionais semelhantes aos de 1870. A cavalaria, dos dois lados, entrou em campanha armada de lança.

A calça vermelha (garance), capote em abas dobradas, para facilitar a marcha, gorro de pano, faixas de lona, envolvendo as pernas, e mochila pesando 50 Kg era o uniforme do exército francês ainda em 1911. Usava-se uma farda de cor excelente para dar nas vistas, constituindo um excelente alvo.

Mais tarde, a cavalaria quase desaparece, ou tendo outras missões, e o uniforme é substituído pelo blue horizon, o azul-claro, e capacete de aço.

Do lado alemão, o uniforme era o feld grau, o cinza de campanha, as botas de couro ferradas, o capacete de couro, com guarnição metálica, encimada por uma ponta de lança - o Pickelhaube - adotado pelo exército prussiano, em 1842. Na grande Guerra o capacete foi coberto com lã cinzenta para camuflagem.

 

f2).- A camuflagem

 

A crescente presença da observação aérea e da aerofotogrametria facilitou a tarefa do artilheiro. Mas também obrigou a desenvolver a camuflagem para ocultar as posições de artilharia e de ataque, os postos, o comando e os depósitos de abastecimentos.

 

f3).- Interceção e decifração de mensagens

 

Os americanos tinham intercetado e decifrado mensagens durante a Guerra de Secessão. Os alemães, na Frente Oriental, não precisaram de decifrar as mensagens do inimigo - os russos enviavam-nas às claras. No cerco de Paris, aquando da Batalha do Marne, quando o governo se deslocou para Bordéus, não tiveram a mesma facilidade para ler os textos franceses expelidos para fora da cidade.

 

f4).- A «Rosalie»

 

De todos os instrumentos de matar e causar sofrimento, há um, cujo prestígio não foi abalado - a «sábia» Rosalie. Era este o nome que os poiluspeludos», carinhoso apelido dos soldados franceses de barba e cabelos compridos) chamavam à baioneta.

Enfim, mentalidades e contradições do tempo por que se passava!

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