POESIA E FOTOGRAFIA
POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA
MALDIÇÃO
Do fundo do abismo onde caí,
Deste abismo que sempre pressenti
Que seria a voragem derradeira
Do meu caminho,
Levanto o pensamento.
E nenhum céu vislumbro lá no alto
Que me sirva de alento,
A encher de azul o poço de negrura.
Aqui hei-de morrer, assim hei-de morrer,
A saber
Que não terei mais luz na prévia sepultura.
Ah, deuses! Ah, mistérios! Ah, destinos!
Que fada má gizou um tal desfecho
A uma vida inocente de viver?!
Cumpri todas as leis da condição;
Comi o pão
Com o suor do rosto;
Dei a cada desgosto
As lágrimas devidas.
E agora este fim, esta agonia cega!
Estas horas vestidas
Dum luto que as renega!
Coimbra, 14 de Maio de 1983