Poesia e Fotografia 389
POESIA E FOTOGRAFIA
POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA
DESGARRADA
Na sina que me foi lida,
Este dia é sempre assim:
Sol na paisagem da vida,
E sombra dentro de mim.
Gerês, 12 de Agosto de 1965
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POESIA E FOTOGRAFIA
POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA
DESGARRADA
Na sina que me foi lida,
Este dia é sempre assim:
Sol na paisagem da vida,
E sombra dentro de mim.
Gerês, 12 de Agosto de 1965
POESIA E ARTE
POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA
PENÉLOPE
Ulisses desterrado
No mar da vida,
Digo o teu nome e encho a solidão.
Mas pergunto depois ao coração
Por quanto tempo poderás ainda
Tecer e destecer a tela da saudade...
Vê se não desesperas
E me esperas
Até que eu volte, e à sombra da velhice
Te conte, envergonhado,
As indignas façanhas
Que cometi
Na pele do semideus que nunca fui
Sê tu divinas, de verdade, aí,
Nessa ilha de esperança,
Fiel ao nosso amor
De humanas criaturas.
Faz que seja bonito
O mito
Das minhas aventuras.
Coimbra, 1 de Junho de 1965
(Penélope Vaticana - Cópia de uma estátua de meados do séc. V a.C/Museu Pio Clementino - Vaticano)
POESIA E FOTOGRAFIA
POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA
AMBIÇÃO
Meu canto, bafo da terra,
Não pára, não tem sossego.
Nestes campos do Mondego,
Nas serras de Trás-os-Montes,
Cada vez quer mais pureza
E largueza
De horizontes.
Cada vez vem de mais fundo
E quer chegar mais além;
Cada vez quer mais alguém
A ouvi-lo
E a repeti-lo,
E a enriquecê-lo, também.
Cada vez deseja ter
Mais força de inspiração,
Mais poder de encantação,
Mais livre sinceridade.
E ser, nessa liberdade,
Hálito de comunhão
Do mundo, da humanidade.
Coimbra, 20 de Abril de 1965
POESIA E FOTOGRAFIA
POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA
A PALAVRA
Falo da natureza.
E nas minhas palavras vou sentindo
A dureza das pedras,
A frescura das fontes,
O perfume das flores.
Digo, e tenho na voz
O mistério das coisas nomeadas.
Nem preciso de as ver.
Tanto as olhei,
Interroguei,
Analisei
E referi, outrora,
Que nos próprios sinais com que as marquei,
As reconheço, agora.
S. Martinho de Anta, 13 de Abril de 1965
POESIA E FOTOGRAFIA
POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA
BANQUETE
Enche os olhos de terra.
No Alentejo há muita e de graça.
Dou-lhes essa fartura,
Antes que um só torrão, na sepultura,
Os cegue e satisfaça.
Monforte do Alentejo, 29 de Novembro de 1964
POESIA E FOTOGRAFIA
POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA
MIRAGEM
Passa um navio ao largo dos meus olhos.
(Os meus olhos, agora, são azuis,
Imensos e navegáveis...)
Passa moroso, como um desejo
Insatisfeito.
Passas, e morre desfeito
Em bruma de ilusão
Na curva do horizonte cruciante
Que cerca a solidão
De quem sonha, tolhido, um cais distante...
Miramar, 18 de Agosto de 1964
POESIA E FOTOGRAFIA
POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA
LIÇÃO
Oiço todos os dias,
De manhazinha,
Um bonito poema
Cantado por um melro
Madrugador.
Um poema de amor
Singelo e desprendido,
Que me deixa no ouvido
Envergonhado
A lição virginal
Do natural,
Que é sempre o mesmo,
E sempre variado.
S. Martinho de Anta, 3 de Maio de 1964
POESIA E FOTOGRAFIA
POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA
HOROSCÓPIO
Conjugaram-se mal os astros da fortuna,
O nome rico da fatalidade.
E com eles desavindos
Na consciência.
Quem pode ser feliz?
Quem vai alegre e chega ao fim sereno?
Tolhido de antemão,
O coração
Em todos os tamanhos é pequeno.
Ditosos
Os que não sabem
De harmonias celestes
Refletidas na terra.
Que nascem como os dias,
E, como eles, decorrem
Naturalmente.
E que à tardinha morrem
Sem negruras de angústia no poente.
Coimbra, 1 de Março de 1964
POESIA E FOTOGRAFIA
POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA
PAZ
Paz de lareira acesa.
A vida sem horário
E os dias aquecidos.
Dias acontecidos
Num outro calendário.
Hibernação da alma
No corpo aconchegado.
Nenhum grito dorido
A bater ao ferrolho adormecido
Do sossego acordado.
Tréguas em toda a frente
De batalha.
O coração contente
Porque ninguém lhe ralha
De pulsar calmamente.
São Martinho de Anta, 24 de Dezembro de 1963
POESIA E FOTOGRAFIA
POEMAS NOS DIÁRIOS DE MIGUEL TORGA
PORTUGAL
Avivo no teu rosto o rosto que me deste,
E torno mais real o rosto que te dou.
Mostro aos olhos que não te desfigura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua criatura,
Serás sempre o que sou.
E eu sou liberdade de um perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço.
Cavo, remo e imagino,
E descubro na bruma o meu destino
Que de antemão conheço:
Teimoso aventureiro da ilusão,
Surdo às razões do tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro,
Mais alta ainda do que no passado.
Coimbra, 16 de Dezembro de 1963
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