A GRANDE GUERRA (1914-1918)
E A PARTICIPAÇÃO DOS MILITARES DO RI 19 E DO ALTO TÂMEGA NO CONFLITO
PRIMEIRA PARTE
CONTEXTO INTERNACIONAL
(DA PLACIDEZ TECTÓNICA AO MOVIMENTO DAS PLACAS)
V
AS FRENTES DE COMBATE
(OU AS GRANDES ONDAS DE CHOQUE)
3.2.- As ofensivas alemãs
Para os alemães, face aos últimos desenvolvimentos, havia que aproveitar o momento em que, na perspetiva de Niall Ferguson, nesta altura, o moral das tropas Aliadas estava no ponto mais baixo de todo o conflito: a saída da Rússia e a guerra submarina irrestrita. Por isso, a iniciativa partiu dos alemães com as suas três operações de primavera, que faziam parte do «Programa Hindenburg». E o senso comum ditava aos alemães que, quando se tratava de atacar dois inimigos, se deveria atacar na junção entre os seus dois exércitos. É onde mostram mais fraqueza - porque cada exército procura cuidar de si próprio. Especificadamente, no caso dos franceses, para cobrirem Paris; no dos britânicos, para proteger os portos do Canal, de onde poderiam fugir para Inglaterra.
a).- Operação Michael
O local escolhido, para esta primeira ofensiva de primavera de 1918, por Ludendorff, foi a região de Saint Quentin. Na prática não era outra coisa senão a recuperação do saliente direcionado para Paris. Ludendorff deu-lhe o nome de código «Operação Michael» e o início da operação foi planeada para 21 de março. O setor a atacar estava guarnecido pelo 5º exército da FEB, o de mais recente formação, ainda não recuperado da 3ª Batalha de Ypres (Passchendeale). Era o setor que menos condições naturais de defesa tinha. “Alguns troços da frente, os trabalhos de fortificação correspondentes à 3ª linha - posição a ocupar em último recurso - estavam pouco mais do que iniciados” Afonso; Gomes, 2013: 398). E a figura do general Gough, seu comandante, para completar o quadro, não era daqueles que mais confiança inspirava nos seus subordinados. “Era nestas condições que se preparava uma batalha em que 75 divisões alemãs de primeira categoria, pertencentes ao 2º, 6º, 17º e 18º exército, se iriam confrontar com 28 divisões britânicas, claramente em défice de moral e de ação de comando” (Afonso; Gomes, 2013: 298).
A densa neblina que fazia, o uso de gases, a opressiva preparação da artilharia, que durou desde as 4 horas e 40 minutos até Às 9 horas e 40 minutos, foi o contexto que serviu para que, a partir daquela hora, os alemães dessem início à infiltração das suas tropas infantes no dispositivo fracamente defendido do 5º exército da FEB.
Numa hora de combate, toda a primeira linha do exército, com a nova tática de assalto, foi ultrapassada. Diz David Martelo: “Ao anoitecer do primeiro dia da batalha, a FEB sofreu a sua primeira derrota desde o início da guerra de trincheiras, expressa em cerca de 7 000 mortos, 10 000 feridos e 21 000 prisioneiros. Do lado dos atacantes, as perdas rondaram 10 000 mortos e 29 000 feridos (Afonso; Gomes, 2013: 399).
Nos dias seguintes, as coisas começaram a piorar ainda: para aumentar o efeito psicológico causado pela penetração, os alemães fizeram arrancar um gigantesco obus de 210 mm - o Big Bertha - que, a uma distância de cerca de 100 Km, disparou sobre Paris. Conta Norman Stone que foi mais fumaça do que efetivo poder destrutivo. Parecia que estávamos em agosto de 1914, aquando da Primeira Batalha do Marne.
Durante esta operação começaram as discussões entre Haig e Pétain: um, pedia ajuda ao setor; o outro, recusou. Até que os governos tiveram de intervir: a 26 de março, em Doullens, próximo de Amiens, estiveram Poincaré, Clemenceau, Pétain e Foch, do lado francês; Lord Milner, ministro da Guerra, general Wilson, chefe do Estado-Maior Imperail e Haig, do lado britânico. A conversa entre Haig e Pétain «azedou» e ficou muito feia, ao ponto de Pétain comparar o comportamento do 5º exército da FEB ao exército italiano em Caporetto. No clímax da discussão, Foch, acalmando os ânimos, mas já em pleno corredor, sublinhou a urgente necessidade de aguentar a frente, a qualquer preço, na região de Amiens. E, como após a tempestade vem a bonança, chegou-se, finalmente, àquilo que, desde há quatro anos, se deveria ter feito: o estabelecimento de um comando unificado das tropas Aliadas, assumindo Foch o cargo de coordenador de todas as ações na Frente Ocidental.
Entretanto, as tropas alemãs, a 5 de abril, estavam a 9 Km de Amiens. O OHL, em vez de concentrar todos os esforços num só setor da frente, repartiu as forças com o intuito de lançar uma segunda ofensiva de vulto mais a norte, na direção do mar, reorientando o 6º exército para esse efeito. O 2º e o 18º exército continuariam apontados à zona de separação entre a FEB e o exército francês. O 17º exército ficava em reserva.
As tropas alemãs, à medida que empurravam as forças Aliadas, fazendo-as recuar para os antigos campos de batalha do Somme, foram-se confrontando com duas condicionantes que lhes causaram uma nítida diminuição do seu pendor ofensivo: o número infindável de crateras e trincheiras destruídas, que não consentiam muita velocidade; e, depois, “o abandono precipitado das áreas de retaguarda dos aliados fez cair nas mãos dos alemães um conjunto de bens de consumo corrente - alimentos e bebidas - que, para os soldados de um país bloqueado, constituíam um luxo que haviam perdido quase no início da guerra” (Afonso; Gomes, 2013: 400).
Resultado: o inopinado destes verdadeiros tesouros alimentícios causou confusão, levando à eclosão de abusos e a consequente prontidão e eficácia de combate ficaram comprometidos.
A Operação Michael foi dada como finda. Custou, entre mortos e feridos, 250 000 baixas. Valor idêntico tiveram os Aliados. Mas o mais grave é que deixou 90 divisões alemãs no limite do seu potencial de combate. E este estado de situação começava, agora, a preocupar grandemente o OHL.
b).- Operação Georgette
Face à ofensiva frustrada da Operação Michael, a atenção alemã voltou-se agora para a 2ª operação planeada, com nome de código - Georgette - na Flandres. Aqui se encontrava o 1º exército da FEB. E, integrado neste exército, o nosso CEP. Na madrugada de 9 de abril, iniciou-se, a coberto de um espesso nevoeiro, e com proteção de uma intensa preparação de artilharia, a ofensiva. A 11 de abril, o recuo desordenado das tropas do FEB foi de tal modo que o general Haig foi obrigado a emitir a seguinte, e histórica, mensagem: “ «Com as costas contra a parede e acreditando na justiça da nossa causa, cada um de nós deve combater até ao fim (...) Cada posição deve ser defendida até ao último homem. Não poderá haver retirada»” (Afonso; Gomes, 2013: 401).
Muito embora o apelo ingente, houve muitos troços da frente em que a retirada foi inevitável. Mas Foch não entendeu que esta situação merecia o empenho das tropas de reserva. “Os avanços alemães prosseguiram nas duas semanas seguintes, conquistando algumas posições importantes, embora em dimensão e profundidade claramente insuficientes para materializar o sucesso que ambicionavam - atingir o Canal da Mancha” (Afonso; Gomes, 2013: 401).
A 29 de abril, Ludendorff acabou por reconhecer que a Operação Georgette chegara ao fim.
Feito o balanço da operação, há a registar, entre mortos e feridos 76 000 baixas britânicas, 35 000 francesas e 109 000 alemãs. As baixas portuguesas, integradas no 1º exército da FEB, foram mais de 7 000, incluindo prisioneiros.
Após esta operação, do lado alemão, começou-se a sentir um claro sinal de saturação nas fileiras. Tal como aconteceu no exército francês em 1917, a ofensiva de abril (ou da primavera) alemã ruiu o ânimo de muitas unidades. E começam a aparecer as primeiras recusas coletivas à participação em ações ofensivas.
c).- Operação Blücher-Yorck
Terminada a Operação Geogette, Ludendorff voltou-se para o setor do Aisne, a sul do saliente conquistado durante a Operação Michael.
Realce-se que a intenção não era abandonar a ofensiva na Flandres, mas, tão-somente, criar uma ofensiva de diversão, obrigando a enfraquecer os Aliados com a movimentação constante das suas reservas. Este setor era defendido por 16 divisões - 13, pertencentes ao 5º e 6º exércitos franceses e 3, à FEB, estas muito sacrificadas pela ofensiva de março e abril e, por isso, tinham sido transferidas para a crista do Chemin des Dames para repousarem!
Os alemães tinham neste setor 15 divisões no escalão de ataque - o 6º exército - e mais 25 em seguimento e apoio - o 1º, 7º e 18º exército. Para além deste potencial humano, tinham 6 000 bocas-de-fogo, dispondo de 2 milhões de granadas.
A 27 de maio, iniciou-se o ataque, como quase sempre, após uma intensa preparação de artilharia. E, de imediato, as tropas alemãs galgam a encosta até Chemin des Dames. Face às tropas cansadas ali estacionadas, foi fácil derrotarem-nas e, descendo a contraencosta, em terreno plano, dirigiram-se até à margem direita do rio Aisne. De acordo com o plano inicial, as tropas deveriam aqui deter-se. Mas, com Ludendorff, nunca se sabe o que se espera. Entusiasmado com o sucesso, e com a fraca oposição, Ludendorff, esquecendo-se que esta ação tinha apenas um objetivo limitado, próprio de um ataque de diversão, entusiasmou-se e continuou por explorar mais a situação. E, nos cinco dias seguintes, prosseguiu o avanço na direção de Soissons e Chateau-Thiérry. A 30 de maio, alcançado o Marne, Ludendorff está a 80 Km de Paris. O avanço de Ludendorff tem 30 Km de profundidade por 50 de largura.
Perante esta situação, Foch, constrangido, empenha as suas reservas em sucessivas vagas, entre 28 de maio até 3 de junho. Nestas reservas já tinha incluídas duas divisões norte-americanas (a 1ª e a 2ª). A 2ª divisão integrava um Corpo de Fuzileiros (Marine Corps), a melhor unidade de combate dos Estados Unidos. O espírito e o moral desta tropa era de tal forma que não se resiste aqui a destacar o seguinte episódio, referido por David Martelo (Afonso: Gomes, 2013: 402): “A 4 de junho, a brigada de fuzileiros bateu-se com invulgar valentia em Belleau, próximo de Chateau-Thiérry, negando aos alemães a conquista da estrada para Reims. No início da batalha, um oficial de uma unidade francesa em retirada sugeriu a uma companhia de fuzileiros que seria melhor fazerem o mesmo. A resposta do comandante da companhia, capitão Llyod Williams, entraria, para todo o sempre, na mitologia do Marine Corps: «Retirar? Mas nós ainda agora chegámos!»”.
Pese embora as manobras de diversão para atrair as reservas Aliadas para sul, desguarnecendo o setor norte, da Flandres, os intuitos alemães não surtiram efeito. Os contra-ataques franceses e norte-americanos das tropas aqui estacionadas foram suficientes para suster as tropas alemãs.